quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Discernimento vocacional: como entender os estados de vida


Tradução de Airton Vieira – Um estudante universitário me enviou há pouco uma sentida carta expondo-me seu parecer sobre muitos jovens católicos de ambos sexos de sua idade que estão dispostos a aceitar uma vocação religiosa se o Senhor a der, mas não sabem exatamente o que pensar da questão. Em minha resposta procuro aclarar algumas ideias errôneas e expor um modo positivo de entender os estados de vida conforme os ensinamentos da Igreja.
Estimado Dr. Kwasniewski:
Desde pequeno tenho lido, ouvido e pensado muito sobre o conceito de vocação. Sou muito favorável à vocação ao sacerdócio ou a vida consagrada, ainda que não tenha claro aonde o Senhor me queira levar.
O livro do Pe. Joseph Bolin Paths of Love me foi muito útil pela maneira com que resume o tema da vida consagrada tal como o entendia Santo Tomás, e o conceito inaciano de discernir e escolher um estado de vida. O que diz o Pe. Bolin sobre Santo Tomás acentua a perspectiva objetivista: a vocação religiosa não é uma chamada telefônica de Deus a uma pessoa, mas uma chamada geral a todos que poucos podem aceitar, logicamente por Sua graça. Aprecio esta definição, que entendo como uma bofetada ao sentimentalismo e à escola que insta a fazer um profundo exame de coração.
De todo modo, sigo buscando uma teologia coerente da vocação. Em um extremo, temos a tendência habitual dos teólogos pós-conciliares a insistir no espírito igualitário, segundo o qual o chamado universal à santidade equipara todas as vocações e nenhuma é superior às outras. Está claro que essa afirmação contradiz a Sagrada Escritura e o Concílio de Trento, porque tanto uma como o outro falam da superioridade objetiva do celibato.
No outro extremo está a postura de Santo Tomás de Aquino, que –ao menos para mim– coloca muitas dificuldades. Se todos somos chamados à perfeição da caridade e a santidade, como é que alguns se sentem chamados a optar pela vida religiosa e outros não? Daria a impressão de que quem se casa são uma espécie de prófugos da vida religiosa, ou então, de que Deus não os queira tanto. A postura objetivista de Santo Tomás parece chegar à conclusão de que a vida religiosa é para todos ainda que só uns poucos terminem escolhendo-a. Como alguém pode saber então se deve abraçar a vida religiosa?
Será que me custa entender a diversidade que se dá nisto. A mim parece que se tal é a forma mais elevada de vida cristã que se pode abraçar –e o convite a observar os conselhos evangélicos vai dirigida a todos–, como é que nem todos se tornam freis ou freiras? (Eu diria que a chamada ao sacerdócio é algo diferente, porque ser ministro ordenado de Deus não é um conselho evangélico, mas uma função determinada para a que a Igreja tem de ordenar ministros, ainda que pelo que se refira a discernimento e eleição de estado, me parece que os argumentos são em grande medida paralelos.


Alguém sairá com a resposta óbvia: «É que se todos se tornassem religiosos acabariam as famílias e as crianças». Mas não me parece um argumento mui convincente. Para começar, não há nem a mais remota possibilidade de que a maioria dos católicos levem muito a sério sua fé como para pensar em entrar em religião. Em segundo lugar, ainda que se enchessem os conventos, o único que isso poderia dizer é que se estaria voltando à saúde espiritual da Idade Média, quando uma porcentagem considerável da sociedade estava constituída de sacerdotes e religiosos. Ou seja, que havia um corpo eclesiástico equilivrado em vez da estranha Igreja desnivelada de hoje. Entendo que a finalidade primeira do matrimônio é criar e educar filhos na Fé; contudo, de que depende que uma pessoa tome os hábitos ou contraia matrimônio e dessa maneira contribua a edificar o Corpo de Cristo ao fomentar possíveis vocações em seus filhos? Todos conhecemos famílias que proporcionaram muitas vocações à Igreja, ou ouvimos falar de alguma. Se os pais não tivessem se casado, haveria menos vocações!
A postura objetivista resulta liberadora, porque não reduz a vida religiosa a uma conversação mística secreta entre uma pessoa e Deus. Por outro lado, tampouco aporta uma boa razão para casar-se, salvo para participar no ato criativo de Deus e ter filhos a fim de que, se tudo vai bem, terminem por ingressar algum dia em um convento. Está claro que simplifico demasiado, mas parece que a perspectiva objetivista conduz a isso. Há algo que eu não tenha entendido?
Um amigo me disse que, objetivamente, a vida religiosa pode ser o estado de vida mais perfeito, mas que é possível que Deus chame alguém a buscar a perfeição da caridade no matrimônio. Então, me pregunto: como pode uma pessoa discernir a que estado Deus o chama? Como pode saber que a está chamado à perfeição da caridade no matrimônio ou na vida religiosa?
Nisto a escola subjetivista esfrega as mãos de contentamento, porque então pode falar de discernimento de espíritos, pensamentos, sensações, desejos, e em pouco tempo se cai no subjetivismo. O objetivista pode dizer: «O que possa aceitá-lo, que o aceite», mas de que depende que uma pessoa possa aceitar ou não o celibato? Acaso com Deus não é tudo possível? Se tudo depende dos desejos e sentimentos pessoais, como podemos entender Santa Teresa de Ávila, que elogiava os que não tomassem os hábitos porque sentiram-se atraídos para isso mas porque viam que era caminho mais seguro e mais rápido ao Céu?
Aprecio as coisas claras, mas a teologia vocacional da Igreja não parece muito clara. No curso de minhas viagens conheci muitos que estão atados. A eles são facilitadas leituras que fomentam a ambiguidade e a perseguição das próprias inclinações. Em comparação, a postura objetivista é uma lufada de ar fresco. Mas também parece que fomenta certa inquietude ao não proporcionar um marco de discernimento que permita Deus sabe quem pode e deve optar pela vida religiosa sem que pareça que quem não a abrace sejam uns fracassados que não foram capazes de entregar-se inteiramente a Deus. Pareceria que nesse caso o matrimônio é uma espécie de plano B porque a pessoa não foi capaz de fazer os votos de pobreza, castidade e obediência em uma comunidade religiosa. Se amanhã me caso, como posso saber que não estava chamado a entrar em religião? E vice-versa.
Atenciosamente,
Um perplexo vocacional
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Estimado perplexo vocacional:
Menciona com bastante precisão vários aspectos penosos da questão. Espero que possa lançar algo de luz sobre eles, ainda que seja sim tão difícil encontrar claridade na teologia vocacional é porque alguns dos elementos que a integram contribuem a torná-la confusa e complexa, como tratarei de explicar. Mas também há elementos aos que aferrar-se, e talvez minha resposta lhe facilite um ou dois.
Eu diria que na antiguidade e a Idade Média havia muito mais sentido comum, porque aceitavam a realidade de que a maioria dos homens e as mulheres querem casar-se, seguindo sua inclinação natural como animais racionais criados por Deus, e que só uns poucos a lançavam por Cristo renunciando aos três bens mais apreciados pela natureza humana: independência ou autonomia, possessões materiais e família (casar-se e ter filhos). Não se vê que fosse nenhuma vergonha não dedicar-se à vida superior, nem tampouco se observa o menor intento de equiparar os estados para que ninguém se ofenda. Talvez se explique porque era uma sociedade hierarquicamente estruturada que se caracterizava por enormes e aparentemente eternas diferenças de classe nas que a ninguém era molesto estar submetido à autoridade.
Em câmbio, em nossos tempos modernos tomamos com muita emotividade e subjetividade tudo o que tenha a ver com tomar decisões na vida. Tendemos a ver as decisões alheias como algo que pudesse pôr em risco ou olhar com olhos críticos nossas eleições pessoais. Além disso, somos igualitaristas cabeças-duras. Como reconheceu Tocqueville, a democracia terminará por renunciar à liberdade em função da máxima igualdade. Preferimos ser escravos iguais a ser livres e desiguais.
Por isso, me inclino a pensar que a modernidade da que estamos empapados (seja o que for que se entenda por modernidade) nos tem gerado muita interferência, tensão e inquietude neste sentido.
Nas Escrituras, a questão se apresenta de um modo muito direto. O Senhor diz: «Este caminho é melhor, e se és capaz, segue-o». Não se trata simplesmente da graça de Deus, mas da liberdade do homem para eleger estado. Não é uma chamada telefônica arbitrária, como o senhor a chamou. Qualquer católico bem formado deve ter presentes as opções, rezar para que Deus o ilumine e fazer o que lhe pareça melhor tendo em conta todas as circunstâncias. A tradição garante que todo estado bom vale a pena, e que ninguém peca por não eleger um estado determinado, ainda que sim, que podemos pecar e pecamos quando não cumprimos as obrigações do estado com o que nos comprometemos.
Complicamos mais da conta o assunto das vocações. Não é que não tenha suas sutilezas, mas em essência, São Paulo diz: «Quem se casa, faz bem; quem se mantém virgem (por Cristo) faz melhor». Com base nisto, diz Santo Tomás na Suma teológica que para entrar em religião basta com ver que Cristo a recomenda, que chama a todo o que esteja disposto a aceitá-la e que a quem empreenda esse caminho lhe dará a graça suficiente para perseverar.
Logicamente se dá por sentado que a pessoa tem a suficiente maturidade psicológica para assumir tal compromisso. Que não está desgarrada ou traumatizada internamente por, por exemplo, uma terrível vida de família ou por paixões antinaturais que poderiam torná-la incapaz, em um sentido natural, de comprometer-se a observar a virgindade consagrada.[1] Contudo, para quem goza de saúde física e mental, a vida religiosa é um presente que oferece o Senhor e pode aceitar tudo o que queira conformar-se com mais exatidão à Sua vida a fim de buscá-lo e amá-lo sem distrações (neste artigo se fala mais do tema).
A mim me parece ser importante ressaltar o carácter gratuito e excessivo da vida consagrada. Entrar em religião foi em todos os tempos um ato de santa loucura, como atestam os santos. Dizia Santa Teresinha de Lisieux que queria amar a Jesus à la folie, loucamente, com uma ilimitada generosidade ao amar.
É indubitável que Deus chama a todo o mundo a aperfeiçoar sua natureza e além disso a amá-lo à perfeição. Antes da vinda de Cristo, ambas coisas se cumpriam casando-se e procriando para o reino de Israel. Depois de sua vinda, se introduziu uma bifurcação que se corresponde com a profundidade do mistério da Encarnação, pela que, como disse Santo Atanásio, «Deus se faz homem para que o homem se faça Deus». De certa forma, atualmente podemos santificar-nos repudiando e transcendendo o bom de nossa natureza em função do bem do sobrenatural, mas não é menos possível santificar o bom da natureza no santo matrimônio, que Cristo elevou para que seja signo de sua união marital com a Igreja, sua Esposa imaculada.
A vida consagrada (ou o celibato sacerdotal) é precisamente algo que vai mais além do que nos é inato e daquele ao que Deus nos inclina enquanto animais racionais.[2] Portanto, não se pode pôr na balança com o matrimônio e a família; é como misturar peras com maçãs. Se se chamasse estado com mesmo sentido a ambas as coisas, a vida consagrada sempre ganharia por goleada, e o matrimônio sempre seria uma lamentável concessão à debilidade humana ou falta de fé, ou algo pelo estilo. Pelo contrário, matrimônio e família são, para assim dizer, o modelo standard para construir o reinado de Cristo neste mundo e a vida religiosa uma autoimolação voluntária na que se elege viver nesta vida na medida do possível a vida do mundo vindouro.[3]
Não são duas maneiras mutuamente excludentes de fazê-lo, mas na prática são divergentes quanto ao alcance de sua função: o matrimônio está inevitavelmente imerso nos assuntos deste mundo, sobretudo a medida que aumenta a família; o celibato ou virgindade consagrada tem por objeto permitir que se dedique o máximo possível de tempo a dedicar-se ao unum necesarium, ao único que ao final necessitamos todos. Poderíamos expressá-lo assim: ainda que todo católico esteja chamado a levar uma vida espiritual profunda, que se fundamenta em um compromisso sério de oração diária, a ninguém pode surpreender que o matrimônio e a família tornem difícil encontrar tempo para dedicá-lo exclusivamente ao Senhor, até o ponto de que os pais têm de buscar e reservar tempo para isso. Mas resulta catastrófico que os sacerdotes, freis e freiras dediquem tanto tempo a assuntos mundanos que descuidem a oração que é o sustento mesmo de sua vida. A primeira dificuldade é inevitável; a segunda contradiz a vocação mesma.
Me parece proveitosa a maneira em que a exortação apostólica Vita Consecrata de João Paulo II apresenta ambas formas de vida como complementares, até o ponto de que nenhuma se entenderia (em termos cristãos) sem a outra. Se os modernos erram, é porque somos demasiado naturalistas, nos apressamos a dar por sentado que não podemos viver sem os bens da natureza. O mesmo problema se pode observar na eliminação do jejum e a abstinência por parte da reforma litúrgica e em todas as demais formas em que a cristandade ocidental foi claudicado ante o materialismo e o hedonismo. Por isso há uma gravíssima escassez de vocações ao sacerdócio e à vida monástica, o qual é por sua vez uma causa importante da decadência da Igreja.
Afirmam os historiadores que na Idade Média até 2% da população vivia em mosteiros e 1 de cada 40 homens era clérigo. Podemos fazer uma ideia da quantidade de sacerdotes que havia em todos os níveis e ministérios, homens consagrados que ofereciam o opus Dei! Isto explica a realidade histórica conhecida da idade de ouro da vida monástica, quando o território europeu estava coberto de mosteiros de um extremo a outro. Não me surpreende que estejamos nas últimas: os católicos de ambos sexos não estão levando a sério a importância e a magnitude do Reino de Deus. Se não há uma minoria considerável que viva essa importância e essa magnitude, o resto não a crerá. Nesse sentido, os sacerdotes e os religiosos levam sobre seus ombros o resto da Igreja. A infidelidade, a preguiça e a falta de generosidade à hora de responder a chamada do Senhor podem converter-se em um círculo vicioso: a falta de testemunho faz com que sejam menos os que reajam, e quando são poucos os que reagem, se dá pouco ou nenhum testemunho.
É certo que um estado é bom e o outro melhor tanto que se tenha claro que existe uma diferença qualitativa entre ambos estados de modo que não sejam equiparáveis nos mesmos termos. Suponho que o seguinte que se coloque será: por que não elegem todos o que qualitativamente é melhor? Contudo, não estamos falando do mistério de oferecer-se a si mesmo? Para isso, por que casar-se, se inevitavelmente suporá muito sacrifício pessoal e esforço? Que razão há para fazer o bom, o melhor ou o ótimo?[4] Com tal de que o que façamos seja bom, Deus multiplicará o bem como multiplicou os pães e os peixes  o aproveitará para a perfeição do universo e para glorificar seu nome. Não há forma de vida cristã que não tenha penalidades, sofrimentos e fracassos, assim como alegrias, consolos e vitórias.
Por último, considero que há que dar lugar ao mistério da Providência divina e à correspondente confiança que devemos oferecer-lhe nas circunstâncias determinadas em que nos encontremos em um momento determinado da vida. Um exemplo palpável disso é que muitos chegam ao matrimônio quase por casualidade em vez de sopesar a decisão com uma perspectiva a longo prazo. Terminam cometendo muitos erros e descobrem o difícil que pode ser. Quantos divórcios e separações foram causadas porque alguns se precipitaram e lhes faltou a maturidade para aceitar a situação e esforçar-se por ir adiante contra vento e tempestade? mas se perseveram na oração, Deus escreverá certo por linhas tortas e tirará muito mais proveito e bens desse matrimônio. Ao manter a fé e sobrepor-se às dificuldades, esse matrimônio, essa família, glorificarão sem dúvida a Deus e construirão seu Reino de caridade.
Como a realidade é o que é, não existe um universo alternativo no que todos sejam (ou tivessem de ser) o que não são. Nos santificaremos pela via a qual nos comprometemos com nossas promessas – sejam as do batismo, do matrimônio, ou votos sacerdotais ou de vida consagrada, ou não nos santificaremos.
De uma coisa sim podemos estar seguros: de que o Diabo fará o quanto possa por impedir que os católicos se entreguem ao Senhor em qualquer forma estável, frutífera e aprovada de vida. Seu antirreino prospera com a instabilidade, a esterilidade e a anarquia. Por conseguinte, a forma de vida à que mais se opõe é a monástica, que se fundamenta na radical stabilitas loci (comprometer-se de modo vitalício com um lugar e uma comunidade), a prioridade absoluta do opus Dei ou culto litúrgico de Deus (nada que possam fazer os cristãos é mais poderoso espiritualmente) e com uma regra que todos devem cumprir (a qual permite cultivar a humidade, a obediência e a caridade junto com todas as demais virtudes ao longo da vida).
O mais importante que podem fazer os jovens católicos é estudar seriamente o sacerdócio e a vida consagrada visitando diversas comunidades religiosas ou seminários para ver se é o seu.  Porque tem de ser algo vivencial e pessoal; não se pode impor. As comunidades e seminários que se visitem têm de ser os melhores, o qual em geral significa os mais tradicionalistas; não se pode perder tempo com a incoerência, a anomalia e a mediocridade pós-conciliar.[5] As comunidades e ordens religiosas, assim como as dioceses, que não redescobriram a espiritualidade, teologia e liturgia tradicionais e não se comprometeram portanto com elas estão morrendo e acabarão por desaparecer. O usus antiquor é condição sine qua non para quem estão em período de discernimento com vistas a ver se têm vocação para uma vida religiosa contemplativa.
Um retiro guiado pode em muitos casos ser fundamental para discernir com calma. Por exemplo, fazer os Exercícios Espirituais com um diretor de retiros que saiba o que faz, e no contexto da liturgia tradicional. Os Exercícios estão pensados precisamente para ajudar à gente a liberar-se de impedimentos e abrir-se ao Espírito Santo. Por muito nervosos que nos ponha o subjetivismo carismático endêmico de nossos tempos, o certo é que fazemos aquilo ao que nos guia o Espírito Santo! Graças a Deus que há maneiras de obter sua ajuda sem que se caia no sentimentalismos mas buscando o centro da pessoa. Falando à totalidade do homem recolhido.
Nos mantenhamos mutuamente em oração.
In Domino,
Dr. Kwasniewski
[1] Sobretudo na atualidade, é essencial recalcar que não se deve permitir a entrada no claustro ou no seminário a ninguém que careça de inclinação natural ao matrimônio e à vida de família. O cardeal John O’Connor de Nova York acostumava dizer que só queria ordenar homens que, se Deus não os tivesse chamado ao sacerdócio, seriam ditosos como maridos e pais. Não se pode renunciar por amor ao Reino aquilo ao que não se está inclinado por natureza. A graça pressupõe a natureza.
[2] Autores de reconhecida ortodoxia têm aplicado a palavra vocação ao matrimônio por analogia com a chamada à vida consagrada. Mas falando com propriedade, não há chamada ao matrimônio; nos inclinamos a ele pela natureza os afetos que Deus nos deu. Contudo, à hora de renunciar ao matrimônio para dedicar-se a Deus exclusivamente, Nosso Senhor tem de chamar a pessoa a sair do mundo, da ordem natural. O sentido de vocare é chamar uma pessoa a abandonar a vida para a que lhe é mais adequada mediante o convite a fazer algo superior a ela.
[3] Visto de outra perspectiva, responder ao amor que Deus nos prodiga optando por Ele exclusivamente é a forma mais razoável e apropriada em que podemos responder ao amor e à graça de Cristo. Ainda que a vocação religiosa significa crucificar seriamente as inclinações naturais, uma verdadeira morte, a um nível mais profundo permite que a própria natureza se desenvolva mais plenamente do que poderia desenvolver-se fora da vida religiosa.
[4] Optar por rezar mais, jejuar, missionar, oferecer padecimentos e adquirir devoção pelo Advento ou a Quaresma significa eleger o que é melhor em uma situação em que não há a menor obrigação de fazer essas coisas. Na prática, não se pode fazer tudo isso, já que temos outras obrigações, mas, por que não nos esforçamos por mais do que fazemos atualmente? Deveríamos examinar nossa consciência com essa pregunta.
[5] Em um próximo artigo defenderei a tese de que os homens que estejam pensando na possibilidade de tornar-se sacerdotes devem dar prioridade às ordens e comunidades que se dediquem exclusivamente à liturgia latina tradicional.
Addendum:
A quem esteja em período de discernimento vocacional lhes recomendo o folheto de 1913 Vocations, do Pe. William Doyle, que é uma das leituras mais motivadoras e melhor escritas que encontrei sobre o tema.
Recomendo também este contundente artigo: Your Vocation is not About You
(Traducido por Bruno de la Inmaculada/Adelante la Fe)
Fonte: https://adelantelafe.com/discernimiento-vocacional-como-entender-los-estados-de-vida/

Um comentário:

  1. Uma grande reflexão sobre a questão casar-se ou manter-se no celibato. Gostei muito porque além de discutir profundamente a questão, mostra com clareza o que é uma coisa e o que é outra coisa para Cristo na visão religiosa.Uma luz para os jovens. O que me preocupa é que a grande maioria dos jovens não faraó opção nem pelo casamento n.pelo celibato pelo amor de Cristo, mas fazem opção por uma vida totalmente deturbada da vontade de Cristo. Dai a importância desse texto.

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