O Sínodo extraordinário sobre a Família, realizado em Roma entre 05-19 outubro de 2014, provou ser a reunião de Bispos Católicos mais controversa desde os tempos do Concílio Vaticano II. Esse Sínodo tem sido visto como um conflito aberto no seio do Colégio dos Cardeais e entre os próprios bispos. O conflito tem seu âmago em questões que envolvem a sexualidade humana, mas deriva de um racha ainda mais profundo entre aqueles que se esforçam para serem fiéis à lei natural e o Magistério da Igreja Católica e aqueles que se esforçam para distorcer essa doutrina de modo a torná-la compatível com os revolucionários princípios da modernidade.
INTRODUZINDO O CARDEAL KASPER
Os preparativos para o Sínodo e o próprio Sínodo, foram dominados pela proposta feita pelo Cardeal Walter Kasper segundo a qual, aqueles Católicos validamente casados que se divorciaram e contraíram uma nova união civil inválida poderiam ser admitidos à Santa Comunhão sem mudança de vida.
No dia 17 de março de 2013, apenas quatro dias depois de sua eleição, o Papa Francisco teceu elogios generosos ao livro de Kasper, “Misericórdia: A Essência do Evangelho e a chave da vida cristã”, durante seu primeiro discurso do Ângelus:
Nestes dias, pude ler o livro de um Cardeal – o Cardeal Kasper, um teólogo estupendo, um bom teólogo – sobre a misericórdia. Aquele livro fez-me muito bem. (Não julgueis que estou a fazer publicidade dos livros dos meus Cardeais, porque não é isso…!) É que [o livro] me fez mesmo bem, muito bem... O Cardeal Kasper dizia que a melhor sensação que podemos ter é sentir misericórdia: esta palavra muda tudo, muda o mundo.
O livro em questão, Misericórdia: A Essência do Evangelho e a chave da vida cristã, reflete uma oposição de longa data por parte de Kasper à doutrina da imutabilidade de Deus. Em 1967 ele já havia escrito:
“Esse Deus que reina como um ser imutável por cima do mundo e da história constitui um desafio para o homem. Por amor ao homem é preciso negá-lo, já que reclama para si mesmo a dignidade e a honra que são devidas ao homem. […] Devemos nos defender contra tal Deus, não somente por amor ao homem, mas também por amor a Deus. Esse não é o Deus verdadeiro, é um mísero ídolo. Um Deus, pois, que se acha à margem e por cima da história, que não é Ele mesmo história (grifo nosso), é um Deus limitado. Se designarmos esse ser como Deus, deveríamos, por amor ao Absoluto, fazer-nos ateus. Um Deus assim corresponde a uma visão fixista do mundo; é a garantia das coisas estabelecidas e o inimigo das novidades".
Em sua obra de 2013 Misericórdia, ele continua com os mesmos argumentos, mas em uma linguagem mais cautelosa:
Com base no seu ponto de partida metafísico, a teologia dogmática tem dificuldade de falar em um Deus compassivo. Ela tem que excluir a possibilidade de um Deus sofre com as suas criaturas em um sentido passivo; ele só pode falar de piedade e misericórdia, naquele sentido ativo em que Deus se opõe ao sofrimento de suas criaturas e fornece-lhes assistência. A questão que permanece é se isto corresponde satisfatoriamente ao entendimento bíblico de Deus, que sofre com as suas criaturas, aquele que, como Misericors tem um coração com os pobres e para os pobres. Pode um Deus que é concebida de forma tão apática ser realmente solidário? Pastoralmente, essa concepção de Deus é uma catástrofe. Um Deus tão abstratamente concebido para a maioria das pessoas parece ser muito distante da sua situação pessoal.
Em 1967 Kasper explicitamente casou a imutabilidade de Deus com "uma visão de mundo rígida." É precisamente porque Deus é imutável, Kasper argumenta, que Ele "é a garantia do status quo e o inimigo do novo." Se a revolução contra a ordem divina da criação que foi avançando rapidamente no mundo tinha que triunfar também na Igreja, era necessário que a imutabilidade de Deus também fosse negada. Se a própria natureza divina pode ser sujeita a mudanças, logo tudo o mais, incluindo a lei moral, também deve ser considerado mutável. Kasper, portanto, procurou acorrentar Deus à "história" e, portanto, ao "progresso" e à "evolução". Este erro, repetido em essência em seu livro 2013, está no cerne de toda a agenda "progressista" do Sínodo.
O elogio dado pelo Santo Padre para este livro não passou despercebido. O próprio Kasper compartilhou uma anedota reveladora durante uma entrevista pública na Universidade Fordham, em maio de 2014. Ele relatou que após o papa Francisco ter elogiado publicamente seu livro um "cardeal mais velho" insistiu: "Santo Padre, você não deveria recomendar este livro. Há muitos heresias nele! " O Papa então sorriu segundo disse Kasper e assegurou-lhe "que isso entra por um ouvido e sai pelo outro!"