Tradução: Airton Vieira de Souza
Uma
das nefastas consequências do Concílio Vaticano II foi que alguns Estados
confessionalmente católicos como a Espanha se viram obrigados a mudar sua legislação
para adotar “a liberdade religiosa” e por conseguinte passaram com o tempo a
ser Estados aconfessionais, com a conseguinte ruína para a verdadeira religião
que isto supôs.
José María Permuito atesoura uma dilatada vida profissional no âmbito
educativo. Conferencista e autor de numerosos artigos relacionados cm a doutrina
tradicional da Igreja. Nesta ocasião nos explica a importância de que os
Estados sejam confessionalmente católicos.
Pode explicar-nos de que maneira professa
um Estado a Religião católica e quais são os ensinamentos da Igreja com
respeito a este tema?
A Igreja tem ensinado sempre que todas as
sociedades, sem excluir as comunidades políticas (municípios, Estados,
organismos supranacionais), têm para com Cristo e sua Igreja umas obrigações morais
de inescusável cumprimento. Tais obrigações são:
Dar culto público a Deus, e não qualquer, mas o
culto católico, que é o que Deus mesmo estabeleceu e manifestou querer.
A inspiração cristã das leis, de tal maneira que sua
Constituição e toda sua legislação se ajustem aos preceitos da lei eterna,
revelada e natural.
O respeito à independência da Igreja e o acatamento
de sua autoridade e no que se refere às verdades de fé e moral.
A defesa e propagação da fé católica, protegendo a Igreja
e colaborando com ela na evangelização, governo e santificação das almas.
Qual é o fundamento do dever
moral dos Estados para com a Religião católica?
O fundamento é Cristo mesmo. É a Realeza social de Nosso
Senhor Jesus Cristo, que há de ser reconhecida pelos Estados. Jesus Cristo é verdadeiramente
Rei dos indivíduos e das sociedades. Nenhuma atividade humana pode subtrair-se
a seu império.
Em uma entrevista de 16 de maio
de 2016, Francisco afirmou que “um Estado deve ser laico”, que “os Estados confessionais
terminam mal”, e no discurso ante a classe dirigente do Brasil, em 27 de abril
de 2013 elogiou a “laicidade do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição
confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade,
favorecendo suas expressões mais concretas”. Como conciliar estas declarações
com o que ensina a Tradição da Igreja?
Não é possível, simplesmente porque o que disse
Francisco e, como ele, há 50 anos a quase totalidade dos bispos, é incompatível
e contraditório com a Doutrina Tradicional Católica. Não porque o diga eu, mas
porque o dizem documentos magisteriais anteriores ao Concílio Vaticano II.
Inclusive o Concílio Vaticano II, em sua Declaração
sobre a liberdade religiosa, apesar de suas ambiguidades e contradições, afirma
que “deixa íntegra a doutrina tradicional católica acerca do dever moral dos homens
e das sociedades para com a verdadeira religião”.
O Catecismo da Igreja Católica mandado publicar por
Joãa Paulo II, contém essa mesma afirmação e remete a duas encíclicas: Quas
primas, sobre a Realeza Social de Jesus Cristo, escrita por Pio XI, e Inmortale
Dei, de Leão XIII, sobre a Constituição cristã dos Estados.
Pois bem, essas duas encíclicas ensinam, sem nenhuma
dúvida, todo o contrário do que diz atualmente Francisco. Mas não devemos
olvidar que o Concílio Vaticano I define a infalibilidade papal sob certas condições,
não cada vez que o Santo Padre abre a boca para dizer algo.
Mas muitos se perguntam, não é possível
que os ensinamentos dos Papas anteriores ao Concílio Vaticano II foram tão somente
orientações pastorais opináveis o adaptáveis a diversas conjunturas?
Quando se referem à vinculação do Estado com a religião
católica, os Romanos Pontífices não se limitaram a recomendá-la, como se tão somente
fosse um conselho, mas que insistiram reiteradamente em que se trata de uma obrigação
necessária exigida pela lei natural e, como é sabido, a lei natural é imutável,
eterna e universal, isto é, vigente e de obrigado cumprimento em qualquer circunstância,
tempo e lugar.
Ademais, a doutrina relativa à Realeza social de Nosso
Senhor Jesus Cristo, as consequências políticas derivadas do reconhecimento de
Sua Soberania, a necessidade (não só conveniência ou possibilidade) de que os
Estados sejam católicos, são ensinamentos que têm sido propostos pela Igreja sempre
e em todas as partes, implicitamente ou explicitamente, sem que antes do Concílio
Vaticano II Papas e bispos tivessem pregado algo diferente. Como não considerar
que tais ensinamentos formem parte, quando menos, do Magistério Ordinário
Universal, ao qual devemos o mesmo assentimento e obediência que ao Magistério
solene e extraordinário?
Que diría aos católicos que sustentam
que, dado que a lei natural pode ser conhecida somente pela luz da razão, o
Estado não necessita da Revelação nem do Magistério da Igreja para governar,
julgar e legislar de um modo acorde com a lei natural?
Aconselharia a que lessem o atual Catecismo da Igreja
Católica, que neste tema expressa muito bem a Doutrina Tradicional: “Os preceitos
da lei natural não são percebidos por todos, sem dificuldade, com firme certeza
e sem mistura alguma de erro. Na situação atual, a graça e a revelação são necessárias
ao homem pecador para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas
“de todos e sem dificuldade, com uma firme certeza e sem mistura de erro” (Concílio
Vaticano I: DS 3005; Pio XII, enc. Humani Generis: DS 3876).
O grau supremo da participação na autoridade de
Cristo está assegurado pelo carisma da infalibilidade. Esta se estende a todo o
depósito da revelação divina (cf LG 25); se estende também a todos os elementos
de doutrina, compreendida a moral, sem os quais as verdades salvíficas da fé não
podem ser salvaguardadas, expostas ou observadas (cf Congregação para a Doutrina
da Fé, Decl. Mysterium ecclesiae, 3)”.
Em definitivo, se o Estado deseja estar seguro de não
apartar-se minimamente das normas morais da lei natural, necessita, como necessitamos
os indivíduos, o auxílio da revelação cristã e o juízo definitivo e infalível
da Igreja.
Que diria àqueles que estimam que
nas relações entre a Igreja deve haver recíproco respeito, mas nenhum tipo de
subordinação do Estado à Igreja.
A separação entre a Igreja e o Estado, tem sido
condenada pela Igreja. Pio IX, no Syllabus ou catálogo de erros modernos, e São
Pio X, em sua encíclica Vehementer Nos, têm sido contundentes nesse sentido. Isso
não significa que não exista distinção entre ambas sociedades. A origem da autoridade
eclesiástica e civil é o mesmo Deus. Mas Deus atribuiu a cada uma delas competências
distintas. Há assuntos que são próprios do Estado, de carácter administrativo,
de organização política, de forma de regime… nos que a Igreja não pode nem deve
imiscuir-se.
Mas no que diz respeito à fé e à moral, o Estado deve
obedecer à Igreja, porque é à Igreja e não ao Estado, a quem Cristo encomendou
a conservação e transmissão da revelação divina e a quem enviou o Espírito
Santo para que, até o fim dos tempos, a assistisse de tal modo que possa
interpretar sem erro as verdades da fé e os preceitos da lei revelada e natural.
Há quem pensam que os Estados
católicos foram fonte de conflitos sociais e guerras de religião.
É falso e injusto atribuir a responsabilidade das lutas
que se fizeram em nome da religião à impregnação cristã da ordem temporal.
Guerras por motivos religiosos (ainda que as vezes
a religião tenha sido utilizada para encobrir interesses de outro tipo) sempre
as houve e as seguirá havendo enquanto os indivíduos e os povos do orbe não sejam
todos eles católicos. O mesmo Jesus disse que Ele não havia vindo para trazer a
paz mas a guerra, porque por Ele se enfrentariam pais contra filhos e irmãos
contra irmãos. Mas isso não quer dizer que Jesus deseje esses enfrentamentos,
nem que Ele seja o responsável ou instigador dos mesmos.
Pois bem, o mesmo se pode dizer com respeito à
Cristandade e os Estados católicos em relação com os conflitos tidos com os
militantes das seitas e falsas religiões. As origens e as causas das chamadas
guerras de religião, as Cruzadas, etc, não estão na Unidade Católica dos povos,
mas na rebelião dos protestantes, nas sedições dos hereges, nas invasões dos muçulmanos.
O católico Império e as nações católicas não fizeram outra coisa que recorrer à
legítima defesa da ordem social cristã ameaçada e atacada pelos inimigos de
Cristo.
Outros consideram que os Estados
católicos atentam contra a liberdade das pessoas humanas tratando de impor pela
força a conversão ou a prática da religião católica aos não católicos e impedir-lhes
a prática de suas próprias crenças.
Se equivocam. O Magistério católico ensina que ninguém
pode ser obrigado a converter-se. É evidente, pois a fé é um dom que exige por
parte de quem é convidado a recebê-la, sua livre e voluntária aceitação. Em consequência,
não se pode proibir de modo absoluto que os não católicos pratiquem sua religião,
nem muito menos lhes pode obrigar a guardar os mandamentos que a Igreja manda cumprir
aos católicos (ouvir Missa, comungar, confessar, jejuar…).
Agora bem, no momento em que a prática da falsa religião
transcende do âmbito do privado ao público, a sociedade tem o direito a
defender-se se os erros contidos no credo ou as normas éticas dessa falsa religião
podem pôr em risco o bem comum da sociedade. O Estado tem a obrigação de
proteger a seus súditos frente às doutrinas falsas perniciosas, de igual modo
que o faz frente à apologia do terrorismo, para pôr um exemplo.
Não olvidemos que as falsas religiões, contêm erros
morais e doutrinais, alguns deles contrários à lei natural, que têm consequências
práticas de ordem política e social (aceitação do divórcio, a poligamia, os
malos tratos às mulheres, discriminação e hostilidade para quem não se submetem
a sua falsa religião ou seita, etc) Como poderia o Estado abster-se de impedir
a propagação de tais erros morais sem trair seu fim principal, que é a preservação
do bem comum?
Quisera acrescentar que a catolicidade dos Estados
não só não prejudica a quem não são católicos, como que é fonte de imensos benefícios
para todos. Também para eles. Pois como Deus faz sair o sol sobre bons e maus e
deixa que a chuva caia sobre santos e pecadores, o Estado Católico, em virtude
de sua adesão a Cristo Rei, derrama os benefícios espirituais, morais e mesmo
materiais que obtém graças a sua Constituição cristã, sobre católicos e não
católicos, sobre crentes e não crentes.
O senhor fala do direito dos
Estados a impedir a propagação pública dos erros religiosos que vão em
detrimento do bem comum, mas, isso não contradiz a Declaração sobre a liberdade
religiosa do Concílio Vaticano II?
Penso que os ensinamentos do Concílio Vaticano II
sobre a liberdade religiosa e a confissionalidade de os Estados, pecam por uma ambiguidade
calculada para satisfazer e tranquilizar a alguns dos católicos fiéis à Tradição,
que, baseando-se no reconhecimento conciliar de limites à liberdade religiosa,
creem poder interpretá-la em um sentido semelhante ao que antes se chamava
tolerância religiosa; mas por outro lado tem resultado ser de utilidade os
“católicos” progressistas e liberais para reivindicar a renúncia da confissionalidade
dos Estados e elogiar a liberdade religiosa tal como se reconhece nos
ordenamentos jurídicos das sociedades democráticas contemporâneas.
Que aconselharia aos leitores de
Adelante la fe para contribuir à recuperação da Unidade Católica de nossa Pátria
e a restauração da Cristandade?
O primero, rezar. Em segundo lugar, formar-se. Ler
a doutrina católica sobre a Realeza de Cristo e a Constituição cristã das
sociedades. E mais concretamente, nestes momentos de enorme confusão, nos que a
maioria de nossos Pastores calam ou, o que é pior ainda, pregam erradas doutrinas,
aferrar-se à Tradição, ao Magistério extraordinário e ao Magistério Ordinário
Universal, isto é, àquele que foi proposto pela Igreja sempre e em todas as partes.
Por último, ser apóstolos e apologistas do Estado
católico e da Cristandade, usando todos os meios legítimos de que dispomos,
para somar adesões a esta nobre causa de reimplantação e dilatação da ordem social
cristã.
Javier Navascués
Adelante la fe - La gran apostasía de los
Estados: renunciar la confissionalidad católica
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