segunda-feira, 27 de março de 2017

A grande apostasia dos Estados: renunciar a confessionalidade católica

Tradução: Airton Vieira de Souza


Uma das nefastas consequências do Concílio Vaticano II foi que alguns Estados confessionalmente católicos como a Espanha se viram obrigados a mudar sua legislação para adotar “a liberdade religiosa” e por conseguinte passaram com o tempo a ser Estados aconfessionais, com a conseguinte ruína para a verdadeira religião que isto supôs.
José María Permuito atesoura uma dilatada vida profissional no âmbito educativo. Conferencista e autor de numerosos artigos relacionados cm a doutrina tradicional da Igreja. Nesta ocasião nos explica a importância de que os Estados sejam confessionalmente católicos.

Pode explicar-nos de que maneira professa um Estado a Religião católica e quais são os ensinamentos da Igreja com respeito a este tema?
A Igreja tem ensinado sempre que todas as sociedades, sem excluir as comunidades políticas (municípios, Estados, organismos supranacionais), têm para com Cristo e sua Igreja umas obrigações morais de inescusável cumprimento. Tais obrigações são:
Dar culto público a Deus, e não qualquer, mas o culto católico, que é o que Deus mesmo estabeleceu e manifestou querer.

A inspiração cristã das leis, de tal maneira que sua Constituição e toda sua legislação se ajustem aos preceitos da lei eterna, revelada e natural.

O respeito à independência da Igreja e o acatamento de sua autoridade e no que se refere às verdades de fé e moral.

A defesa e propagação da fé católica, protegendo a Igreja e colaborando com ela na evangelização, governo e santificação das almas.


Qual é o fundamento do dever moral dos Estados para com a Religião católica?

O fundamento é Cristo mesmo. É a Realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, que há de ser reconhecida pelos Estados. Jesus Cristo é verdadeiramente Rei dos indivíduos e das sociedades. Nenhuma atividade humana pode subtrair-se a seu império.


Em uma entrevista de 16 de maio de 2016, Francisco afirmou que “um Estado deve ser laico”, que “os Estados confessionais terminam mal”, e no discurso ante a classe dirigente do Brasil, em 27 de abril de 2013 elogiou a “laicidade do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões mais concretas”. Como conciliar estas declarações com o que ensina a Tradição da Igreja?

Não é possível, simplesmente porque o que disse Francisco e, como ele, há 50 anos a quase totalidade dos bispos, é incompatível e contraditório com a Doutrina Tradicional Católica. Não porque o diga eu, mas porque o dizem documentos magisteriais anteriores ao Concílio Vaticano II.

Inclusive o Concílio Vaticano II, em sua Declaração sobre a liberdade religiosa, apesar de suas ambiguidades e contradições, afirma que “deixa íntegra a doutrina tradicional católica acerca do dever moral dos homens e das sociedades para com a verdadeira religião”.
O Catecismo da Igreja Católica mandado publicar por Joãa Paulo II, contém essa mesma afirmação e remete a duas encíclicas: Quas primas, sobre a Realeza Social de Jesus Cristo, escrita por Pio XI, e Inmortale Dei, de Leão XIII, sobre a Constituição cristã dos Estados.
Pois bem, essas duas encíclicas ensinam, sem nenhuma dúvida, todo o contrário do que diz atualmente Francisco. Mas não devemos olvidar que o Concílio Vaticano I define a infalibilidade papal sob certas condições, não cada vez que o Santo Padre abre a boca para dizer algo.
Mas muitos se perguntam, não é possível que os ensinamentos dos Papas anteriores ao Concílio Vaticano II foram tão somente orientações pastorais opináveis o adaptáveis a diversas conjunturas?
Quando se referem à vinculação do Estado com a religião católica, os Romanos Pontífices não se limitaram a recomendá-la, como se tão somente fosse um conselho, mas que insistiram reiteradamente em que se trata de uma obrigação necessária exigida pela lei natural e, como é sabido, a lei natural é imutável, eterna e universal, isto é, vigente e de obrigado cumprimento em qualquer circunstância, tempo e lugar.

Ademais, a doutrina relativa à Realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, as consequências políticas derivadas do reconhecimento de Sua Soberania, a necessidade (não só conveniência ou possibilidade) de que os Estados sejam católicos, são ensinamentos que têm sido propostos pela Igreja sempre e em todas as partes, implicitamente ou explicitamente, sem que antes do Concílio Vaticano II Papas e bispos tivessem pregado algo diferente. Como não considerar que tais ensinamentos formem parte, quando menos, do Magistério Ordinário Universal, ao qual devemos o mesmo assentimento e obediência que ao Magistério solene e extraordinário?


Que diría aos católicos que sustentam que, dado que a lei natural pode ser conhecida somente pela luz da razão, o Estado não necessita da Revelação nem do Magistério da Igreja para governar, julgar e legislar de um modo acorde com a lei natural?

Aconselharia a que lessem o atual Catecismo da Igreja Católica, que neste tema expressa muito bem a Doutrina Tradicional: “Os preceitos da lei natural não são percebidos por todos, sem dificuldade, com firme certeza e sem mistura alguma de erro. Na situação atual, a graça e a revelação são necessárias ao homem pecador para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas “de todos e sem dificuldade, com uma firme certeza e sem mistura de erro” (Concílio Vaticano I: DS 3005; Pio XII, enc. Humani Generis: DS 3876).

O grau supremo da participação na autoridade de Cristo está assegurado pelo carisma da infalibilidade. Esta se estende a todo o depósito da revelação divina (cf LG 25); se estende também a todos os elementos de doutrina, compreendida a moral, sem os quais as verdades salvíficas da fé não podem ser salvaguardadas, expostas ou observadas (cf Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Mysterium ecclesiae, 3)”.

Em definitivo, se o Estado deseja estar seguro de não apartar-se minimamente das normas morais da lei natural, necessita, como necessitamos os indivíduos, o auxílio da revelação cristã e o juízo definitivo e infalível da Igreja.


Que diria àqueles que estimam que nas relações entre a Igreja deve haver recíproco respeito, mas nenhum tipo de subordinação do Estado à Igreja.

A separação entre a Igreja e o Estado, tem sido condenada pela Igreja. Pio IX, no Syllabus ou catálogo de erros modernos, e São Pio X, em sua encíclica Vehementer Nos, têm sido contundentes nesse sentido. Isso não significa que não exista distinção entre ambas sociedades. A origem da autoridade eclesiástica e civil é o mesmo Deus. Mas Deus atribuiu a cada uma delas competências distintas. Há assuntos que são próprios do Estado, de carácter administrativo, de organização política, de forma de regime… nos que a Igreja não pode nem deve imiscuir-se.

Mas no que diz respeito à fé e à moral, o Estado deve obedecer à Igreja, porque é à Igreja e não ao Estado, a quem Cristo encomendou a conservação e transmissão da revelação divina e a quem enviou o Espírito Santo para que, até o fim dos tempos, a assistisse de tal modo que possa interpretar sem erro as verdades da fé e os preceitos da lei revelada e natural.


Há quem pensam que os Estados católicos foram fonte de conflitos sociais e guerras de religião.
É falso e injusto atribuir a responsabilidade das lutas que se fizeram em nome da religião à impregnação cristã da ordem temporal.

Guerras por motivos religiosos (ainda que as vezes a religião tenha sido utilizada para encobrir interesses de outro tipo) sempre as houve e as seguirá havendo enquanto os indivíduos e os povos do orbe não sejam todos eles católicos. O mesmo Jesus disse que Ele não havia vindo para trazer a paz mas a guerra, porque por Ele se enfrentariam pais contra filhos e irmãos contra irmãos. Mas isso não quer dizer que Jesus deseje esses enfrentamentos, nem que Ele seja o responsável ou instigador dos mesmos.

Pois bem, o mesmo se pode dizer com respeito à Cristandade e os Estados católicos em relação com os conflitos tidos com os militantes das seitas e falsas religiões. As origens e as causas das chamadas guerras de religião, as Cruzadas, etc, não estão na Unidade Católica dos povos, mas na rebelião dos protestantes, nas sedições dos hereges, nas invasões dos muçulmanos. O católico Império e as nações católicas não fizeram outra coisa que recorrer à legítima defesa da ordem social cristã ameaçada e atacada pelos inimigos de Cristo.


Outros consideram que os Estados católicos atentam contra a liberdade das pessoas humanas tratando de impor pela força a conversão ou a prática da religião católica aos não católicos e impedir-lhes a prática de suas próprias crenças.
Se equivocam. O Magistério católico ensina que ninguém pode ser obrigado a converter-se. É evidente, pois a fé é um dom que exige por parte de quem é convidado a recebê-la, sua livre e voluntária aceitação. Em consequência, não se pode proibir de modo absoluto que os não católicos pratiquem sua religião, nem muito menos lhes pode obrigar a guardar os mandamentos que a Igreja manda cumprir aos católicos (ouvir Missa, comungar, confessar, jejuar…).
Agora bem, no momento em que a prática da falsa religião transcende do âmbito do privado ao público, a sociedade tem o direito a defender-se se os erros contidos no credo ou as normas éticas dessa falsa religião podem pôr em risco o bem comum da sociedade. O Estado tem a obrigação de proteger a seus súditos frente às doutrinas falsas perniciosas, de igual modo que o faz frente à apologia do terrorismo, para pôr um exemplo.
Não olvidemos que as falsas religiões, contêm erros morais e doutrinais, alguns deles contrários à lei natural, que têm consequências práticas de ordem política e social (aceitação do divórcio, a poligamia, os malos tratos às mulheres, discriminação e hostilidade para quem não se submetem a sua falsa religião ou seita, etc) Como poderia o Estado abster-se de impedir a propagação de tais erros morais sem trair seu fim principal, que é a preservação do bem comum?
Quisera acrescentar que a catolicidade dos Estados não só não prejudica a quem não são católicos, como que é fonte de imensos benefícios para todos. Também para eles. Pois como Deus faz sair o sol sobre bons e maus e deixa que a chuva caia sobre santos e pecadores, o Estado Católico, em virtude de sua adesão a Cristo Rei, derrama os benefícios espirituais, morais e mesmo materiais que obtém graças a sua Constituição cristã, sobre católicos e não católicos, sobre crentes e não crentes.
O senhor fala do direito dos Estados a impedir a propagação pública dos erros religiosos que vão em detrimento do bem comum, mas, isso não contradiz a Declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II?
Penso que os ensinamentos do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa e a confissionalidade de os Estados, pecam por uma ambiguidade calculada para satisfazer e tranquilizar a alguns dos católicos fiéis à Tradição, que, baseando-se no reconhecimento conciliar de limites à liberdade religiosa, creem poder interpretá-la em um sentido semelhante ao que antes se chamava tolerância religiosa; mas por outro lado tem resultado ser de utilidade os “católicos” progressistas e liberais para reivindicar a renúncia da confissionalidade dos Estados e elogiar a liberdade religiosa tal como se reconhece nos ordenamentos jurídicos das sociedades democráticas contemporâneas.

Que aconselharia aos leitores de Adelante la fe para contribuir à recuperação da Unidade Católica de nossa Pátria e a restauração da Cristandade?
O primero, rezar. Em segundo lugar, formar-se. Ler a doutrina católica sobre a Realeza de Cristo e a Constituição cristã das sociedades. E mais concretamente, nestes momentos de enorme confusão, nos que a maioria de nossos Pastores calam ou, o que é pior ainda, pregam erradas doutrinas, aferrar-se à Tradição, ao Magistério extraordinário e ao Magistério Ordinário Universal, isto é, àquele que foi proposto pela Igreja sempre e em todas as partes.

Por último, ser apóstolos e apologistas do Estado católico e da Cristandade, usando todos os meios legítimos de que dispomos, para somar adesões a esta nobre causa de reimplantação e dilatação da ordem social cristã.


Javier Navascués


Adelante la fe  - La gran apostasía de los Estados: renunciar la confissionalidad católica

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