Enquanto nesta vida, somos todos peregrinos. Vagamos por
esta terra, longe de nossa pátria, o céu, onde o Senhor nos espera para
gozarmos eternamente de sua bela face: “ O
tempo em que passamos no corpo é um exílio distante do Senhor “, escreve o
apóstolo (2 Cor 5,6). Se, pois, amamos a Deus, devemos ter um desejo contínuo
de sair deste exílio, separando-nos do corpo para ir vê-lo. Isto é o que São
Paulo sempre desejava. Antes da comum redenção, o caminho para Deus estava
fechado para nós, míseros filhos de Adão, mas Jesus Cristo, com sua morte, nos
obteve a graça de poder tornar-nos filhos de Deus (deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus)e assim abriu para
nós as portas pelas quais podemos ter acesso, como filhos, a Deus nosso Pai: “ porquanto é por ele que nós temos acesso
junto ao Pai num mesmo Espírito” (Ef 2,18).
Diz ainda o mesmo apóstolo: “ Assim já não sois estrangeiros e hospedes mas concidadãos e membros da
família de Deus” ( Ef 2,19).
Assim, estando nós na graça de Deus, já gozamos da cidadania
do paraíso e pertencemos à família de Deus. Diz santo Agostinho que nossa
natureza nos gera como cidadãos da terra e vasos da ira; mas a graça do
Redentor, libertando-nos do pecado, nos gera como cidadãos do céu e vasos da
misericórdia.
Isto leva o salmista Davi a dizer: “ Sou um peregrino na terra: não me ocultes seus mandamentos!” (Sl
118,19). Senhor, sou peregrino nesta terra: ensinai-me a observar vossos
mandamentos que são o caminho para alcançar minha pátria, o céu. Não é de se admirar
que os maus queiram viver sempre neste mundo; de fato eles temem passar das
penas deste mundo às penas eternas e bem mais terríveis do inferno; mas quem
ama a Deus e tem uma certeza moral de estar em sua graça, como pode desejar
continuar vivendo neste vale de lágrimas, em contínuas amarguras, angústia de
consciência e perigos de condenação? E como pode desejar senão ir unir-se a
Deus na eternidade feliz, onde não há mais perigo de perdê-lo? Oh! Como tais
almas enamoradas de Deus, vivendo aqui embaixo, suspiram continuamente e
exclamam como Davi: “ Infeliz de mim,
como que desterrado em Mosoc, ou morando entre as tendas de Cedar! Por demais
minha alma ficou morando entre aqueles que odeiam a paz” (Sl 119,5-6).
Apresentamo-nos, pois, como nos exorta o apóstolo, a entrar
naquela pátria onde encontraremos uma perfeita paz e contentamento: “ Esforcemo-nos para entrar nesse descanso”
(Hb 4,11). Apressemo-nos (digo) com o desejo e não cessemos de caminhar até a
posse daquele portão feliz que Deus prepara àqueles que o amam.
Escreve São João Crisóstomo que quem corre no páreo não dá
atenção a quem o observa, mas ao prêmio que deseja; e não pára; antes, quamto
mais se aproxima do prêmio, tanto mais corre. Donde conclui o santo que quanto
mais vivermos, tanto mais devemos apressar-nos com boas obras na conquista do
prêmio.
Assim a única oração que nos dá ânimo nas angústias e
amarguras desta vida deve ser esta: Venha
o vosso reino! Senhor, venha logo o vosso reino, onde unidos eternamente
convosco, amando-vos face a face, com todas as nossas forças, não teremos mais
medo e nem perigo de perder-vos.
E quando nos encontrarmos aflitos pelos trabalhos e
desprezos deste munto, consolemo-nos com a grande recompensa que Deus prepara a
quem sofre o seu amor: “ alegrai-vos
neste dia e exultai que grande será a recompensa no céu” (Lc 6,23).
Diz São Cipriano que o Senhor, com muita razão, quer que nos
alegremos nos trabalhos e perseguições, porque aí se provam os verdadeiros
soldados de Deus e se distribuem as coroas aos fiéis.
Eis meu Deus, meu
coração está preparado, eis-me preparado para todacruz que vós me dareis. Não
desejo delícias e prazeresnesta vida; não merece prazeres quem vos ofendeu e mereceu
o inferno. Estou preparado para sofrer todas as enfermidades e infortúnios que
me mandais: estou pronto para abraçar todos os desprezos dos homens; fico
contente se quiserdes privar-me de todo o consolo corporal e espiritual; basta
que você não me priveis de vossa presença e que sempre vos ame. Não mereço
isto, mas espero-o daquele sangue que por mim derramastes.
Eu vos amo, meu Deus,
meu amor, meu tudo. Viverei eternamente e eternamente vos amarei como espero e
meu paraísoserá gozar de vosso júbilo infinito que vós bem mereceis pela vossa
infinita bondade.
DE LIGÓRIO, Santo Afonso Maria, Uma Estrada para Salvação: Para quem quer prosseguir no amor a Deus; tradução de Pe. Afonso Paschotte. - Aparecida, Editora Santuário, 2002.