Até
agora, e ainda que ordinariamente saiba ler uma criança aos cinco ou seis anos,
não necessitou que a mãe exercesse séria vigilância sobre as suas leituras,
pois que não se achava possuída dessa avidez insaciável de ler, nem se escondia
para devorar livros dos quais, por outra parte, ainda nada poderia compreender.
Porém
quando uma criança chega aos sete, oito e nove anos, manifestam-se as vezes
nelas o gosto e o desejo de ler com a
violência de uma paixão. A sua imaginação nascente e faminta arroja-se com
avidez a todos os alimentos que pode alcançar; e, não tendo suficiente formação
para discernir o que convém, nem suficiente prudência para se conter na
quantidade necessária, entrega-se a excessos de que provêm frequente mente a
maior parte das suas moléstias.
Sendo
assim, e tendo a mãe a direção suprema dessa inteligência, não pode se recusar
a exercer uma vigilância cuja falta pode comprometer a inocência e a felicidade
de seu filho.
Assim
é que, dou-me pressa em dizê-lo não ponho em dúvida a sua boa vontade, porém,
nesta como em muitas outras matérias,
geralmente não tem bastante desconfiança. Proíbe-se a leitura de uma obra e
deixa-a ao alcance da criança: como se o fruto proibido, não adquirir-se por esse
motivo, mil vezes mais sabor! Como se uma virtude de nove ou dez anos
estivessem tão solidamente arraigada que pudesse alguém recrear-se
experimentá-la com as mais violentas tentações! Pela minha parte, muitas vezes
tenho tido a prova de que se resiste pouco aos estímulos da curiosidade.
Se
habituasse à franqueza, dou-te os parabéns, porque com isso lhe fizeste contrair o mais precioso dos
hábitos; mas olha que, se procedes assim, bem poderia perdê-lo. Se a menina
tocou o livro, se a interessou o conteúdo, se tem tentação em continuar a
leitura, será necessário que tenha muita força para se livrar da tentação de
conservar essa esperança a custa de uma mentira. Por outra parte, se não faltar
à verdade, será repreendida, pois de certo não lhe exiges a confissão da sua
culpa para aprovares; perspectiva pouco animadora, que a induzirá a negar.
Tranquilizada tu com essa resposta, deixarás ainda o livro à sua disposição; e
alentada a menina com o primeiro triunfo, continuará a ler e a mentir. As águas que se bebem furtivamente são muito
agradáveis, diz Bossuet.
Assim
poderão caminhar as coisas por muito tempo, e será grande o mal quando o
advertires. Crê-me: é mais fácil e mais seguro preveni-lo que combatê-lo;
afasta pois o veneno onde quer que o encontres, que por pouco untadas de mel
que esteja as bordas da taça, a criança tem muitíssima propensão de lavá-la aos
lábios.
Mas,
além disso, faze-lhes considerar como uma das mais graves faltas a leitura de
um ponto e até de uma linha não autorizada por ti; e, depois de uma
desobediência desta natureza, priva-a por algum tempo de toda espécie de
leitura; porque numa criança possuída desta paixão, semelhante privação
produzirá mais efeito que nenhum outro castigo.
Sendo
a leitura um alimento, não é isenta de perigos esta abstinência se for
demasiadamente repetida ou demasiadamente prolongada; porque dela resultaria,
como sucede com o corpo, uma grande fraqueza ou uma irritação febril, e então o
remédio seria pior do que a moléstia. Subministra a essa inteligência ávida um
alimento tão abundante e até tão delicado que não se crie nela o desejo de se
obter outro; mas não antecipes; não despertes prematuramente uma curiosidade
perigosa.
Já não há crianças, tem-se dito muitas vezes, e nunca
houve dito mais verdadeiro. Em vez de crianças, têm-se as mães bonecas; porém
bonecas sobrecarregadas de tantos adornos que, para conservarem tais enfeites,
não se podem permitir que brinquem, nem mesmo que se movam livremente. Ou então
são senhoritas cerimoniosas, tão identificadas com a vista de sua mãe, que se
sentiriam humilhadas se se rebaixassem às brincadeiras típicas das infância, e
sobretudo sentiriam o maior desconsolo se não apresentassem à luz favorável, a figura e o vestuário.
Aconselhai
a uma mãe que diminua as suas despesas pessoais, que adote um traje simples,
que abandone a moda e os seus requintes, e muitas vezes não tereis dificuldade
em fazer-lhe aceitar as vossas ideias; mas falai-lhe dessa simplicidade para
sua filha, dizei-lhe que sacrifique parte desse luxo exagerado e vereis como
chovem as palavras e argumentos para vos demonstrar a impossibilidade dessa
reforma. Enfim, dirá ela na resposta: é
preciso que minha filha ande como as outras. E como as outras rivalizam em
vestuário e loucuras, ela por sua parte esforça-se para igualá-las e
sobrepujá-las.
Compreende-se
bem que, com esses esplêndidos trajes, não são já próprios os recreios da
infância: em primeiro lugar seria muito custosos e haveria muitos pais que não
prestassem seus rendimentos às despesas necessárias para renovar semelhantes
enfeites.
Cada
século tem seus erros e suas virtudes;mas se é a palavra virtude sinônimo de
força, devemos confessar que o nosso se acha por desgraça, muito desprovido
dela.
Ah!
Trabalhemos em reparar o mal. Na educação da infância não exageremos o nosso
próprio enfraquecimento!
Filhos
de um Pai crucificado, se queremos renegar Dele, temos de renunciar também ao
nome de cristãos que nos legou. E
ainda isto não é tudo. Devemos repudiar também a indivisível herança que nos
deixou; e esta herança é cruz e o céu. A cruz, força de Deus, e o céu que só se
alcança com violência.
As
crianças necessitam de lições de cristianismo. Mas não necessita de lições de
um cristianismo covarde qual o ensina o mundo; não necessita de uma religião
amesquinhada qual as praticam tantos católicos: necessita sim da santa loucura
da cruz, e, como as crianças
recém-nascidas, do leite espiritual e
puríssimo da sabedoria evangélica.
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