“Com toda a probabilidade, o melhor do
protestantismo somente sobreviverá no catolicismo.”
(Chesterton)
A questão
anterior, a da unidade da Igreja, nos coloca outra não menos importante para
quem se preocupa de fato com a sua salvação, e não somente com a sua.
A máxima
titular é comum ouvir-se na boca dos que se habituaram a protestar: “Placa de
igreja não salva ninguém”. Isso, desconfio, parece pertencer a quem desconfia
de que no fundo esteja em uma canoa furada, ainda que leve o escafândrico[1] nome de “Associação Evangélica
Fiel Até Debaixo D’Água”. Também nos faz lembrar uma personagem comum em tempos
de paganismo generalizado, que se auto delatou ao deixar que um rei dividisse
uma criança ao meio por saber não ser a sua[2] (cf. 1 Re III, 16-28).
Em
verdade que somos obrigados a concordar com tal máxima, pois de fato placa de igreja
não salva ninguém. Nos salva a Igreja. Que só pode ser uma como o Pai, o Filho
e o Espírito Santo: um só Deus em três pessoas. Queiram ou não as Testemunhas
de Jeová. Mas se alguém, com tal expressão, quer com isso dizer que igreja não
salva ninguém, terá então um outro problema, o de informar a São Paulo que não
foi muito feliz ao aconselhar o discípulo e bispo Timóteo para se portar bem na
casa de Deus “... que é a Igreja de Deus vivo, coluna e firmamento da verdade” (1 Tim III, 15).
Para
desenvolver o raciocínio emprestemos muito amadoristicamente a maiêutica
socrática[3].
Partindo de um pressuposto comum, o de que só a verdade liberta, Jesus Cristo
então, Verdade encarnada, é que personificará tal pressuposto. E nisto estamos
(quase) todos de acordo. Mas Cristo é somente a Verdade? A Escritura e Ele
próprio dizem que não. Lembremos então um significativo título aplicado a Si, o
de “cabeça da Igreja” (cf. Col I, 18; Efe I, 22s). Sabemos pela realidade, pela
ciência e pela sanidade mental que uma cabeça existe para estar ligada a um
corpo e vice-versa (exceção para alguns lendários cavaleiros e mulas). Ao se
unir, uma e outro participam de forma inseparável do que pensam e executam. Seguindo
com a linha de raciocínio, como então poderia a cabeça libertar e salvar, sem
que o corpo participasse desse poder?
Mais.
Seguindo
na mesma direção, veremos que em nós a cabeça pensa, deseja e ordena e o corpo
executa. Não vemos a cabeça pensando, mas sabemos que ela é a que torna
possível a ação corporal, enquanto o corpo é que tornará possível a execução do
que se pensa, deseja e ordena. Sendo ambos, obviamente, informados pelo
espírito. Então se, por exemplo, meu corpo salvasse alguém de um afogamento, não
seria antes porque minha cabeça assim o teria determinado, mesmo que instintiva
ou inconscientemente? A conclusão nos parecerá óbvia. Daí que todo protestante
honestamente crente da máxima acima, honestamente deveria estar fora de
qualquer denominação protestante, porque nelas não estaria fazendo outra coisa
que perder tempo. Ou teatro. Por isso somente a legítima igreja de Cristo
poderia dizer como a legítima mãe do livro dos Reis: “Senhor, peço-te que dês a
ela o menino vivo, e não o mates” (v. 26), ou seja, só a verdadeira igreja lutaria
para não deixar dividir sua “criança”, pois tê-la dividida ainda que em duas
partes seria o mesmo que tê-la morta[4].
Por fim,
se “placa de igreja não salva ninguém”, a pergunta mais natural – como muitos
não a fazem?! – é: então por que Cristo fundou uma?
De outro lado
temos um dogma promulgado pelo IV Concílio de Latrão (1198-1216). Sem
possibilidade de erro – como ocorre com todos os dogmas – ali foi definido que
“Fora da Igreja não há salvação” (Extra Ecclesiam nulla salus). Isto
será semelhante a uma tuba soprada pelo mais forte dos pulmões ao mais
sensível ouvido. O mundo moderno reage com um iracundo e mal disfarçado “ranger
de dentes” ao ser-lhe pronunciado tal dogma, e isso ocorre não só entre
protestantes ou pagãos em geral. Hoje, muitos católicos consideram preconceito,
arrogância, intolerância falar que a Igreja Católica é a única fundada por Jesus
Cristo e a única que salva. Para tais ouvidos se tornarem menos sensíveis e a
razão dar razão a esta verdade de fé, lembremos primeiramente alguém que nos fez
ver que a intolerância está mais em não reconhecer a possibilidade de errar que
estar seguro de se possuir a verdade[5].
A realidade diz que os que não possuem a certeza da verdade é que são
intolerantes com quem a possui, haja visto o que vêm fazendo com os católicos e
seus templos os defensores da “liberdade de expressão” e “de culto” mundo afora.
Mas a questão é que todos deveríamos ter nossa cota de intolerância, pelo
simples motivo de a tolerância não ser uma virtude absoluta. Em certo aspecto pode-se
afirmar que o homem mais radicalmente intolerante que passou por este mundo foi
Jesus Cristo, e a própria Bíblia atesta esta verdade:
a)
“... quem não renascer por meio (do batismo) da água e do
Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus” (Jo III, 5);
b)
“... o que, porém, não crê no Filho, não verá a vida, mas sôbre
êle permanece a ira de Deus” (Jo III, 36);
c)
“Quem não é comigo, é contra mim...” (Lc XI, 23);
d)
“E o que não leva a sua cruz e me segue, não pode ser meu
discípulo” (Lc XIV, 27);
e)
“O que não receber o reino de Deus como um menino, não entrará
nele” (Lc XVIII, 17);
f)
“Em verdade, em verdade, vos digo: Se não comerdes a carne do
Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”[6]
(Jo VI, 53);
g)
“... o que, porém, não crer, será condenado” (Mc XVI, 16).
E não
resolverá apelar a eufemismos e metáforas, pois os termos são claros. Para
então se entender o dogma acima peço a atenção a estas três passagens e suas
posteriores considerações:
1) “Eu
sou a videira verdadeira e meu pai é o agricultor. Todo ramo que não dá
fruto em mim, ele corta... Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se
não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não
permanecerdes em mim... (Jo XV, 1-6);
2) “Pois
será melhor sofrer praticando o bem, se tal for a vontade de Deus, do que
praticando o mal. De fato também Cristo morreu, uma vez por todas, por causa
dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Sofreu a
morte, na existência humana, mas recebeu nova vida no Espírito. No Espírito,
ele foi também pregar aos espíritos na prisão, aos que haviam sido
desobedientes outrora, quando Deus usava de paciência – como nos dias em que
Noé construía a arca. Nesta arca, umas poucas pessoas – oito – foram
salvas, por meio da água. À água corresponde o batismo que hoje
é a nossa salvação...” (1 Pe III, 17-21).
3) “Todos
os que pecaram sem a Lei, perecerão também sem a Lei; e todos os que pecaram
sob o regime da Lei, serão julgados de acordo com a Lei. Pois não são justos
diante de Deus os que se contentam de ouvir o ensino da Lei, mas somente
aqueles que observam a Lei é que serão justificados por Deus. Quando os
pagãos, embora não tenham a Lei, cumprem o que a Lei prescreve, guiados pelo
bom senso natural, esses que não têm a Lei tornam-se Lei para si mesmos.
Por sua maneira de proceder mostram que a Lei está inscrita em seus corações:
disto dão testemunho igualmente sua consciência e os juízos éticos de acusação
ou de defesa que fazem aos outros.” (Rom II, 12-15).
Vejamos o
que temos aqui: na primeira o Senhor deixa claro que quem não estiver com ele
estará contra (outra prova da santa intolerância divina), sendo por isso
impossível tornar-se um verdadeiro seguidor caso não se estiver de fato unido a
Ele. Como seremos julgados por nossas obras, o negar a Cristo até a hora da
morte causará a exclusão imediata do Céu, por justiça, mas também misericórdia,
uma vez que o amor não obriga ao ser amado. Como já visto, uma cabeça pertence
a um corpo. E vice-versa. Daí que fazer parte da (cabeça da) videira é também
fazer parte de seu corpo. Por isso, não permanecer n’Ela (na Igreja, o corpo) é
não permanecer n’Ele (em Cristo, a cabeça). Como a consequência já foi dita
acima, há portanto coerência em definir que: “fora da Igreja não há salvação”.
Em
seguida, temos que o Batismo (tratado mais adiante) aqui é comparado às águas
que purificaram o planeta, fazendo com que Noé e sua família fossem salvos,
salvos da impureza do mundo. Ao dizer que o batismo hoje é a nossa salvação
(como as águas a Noé e sua família), São Pedro compara a Igreja à arca
que os abrigou. Todos que estiveram fora da arca se afogaram. Todos os que
estão fora da Igreja se afogam no mar da vida e do pecado original. Ela, a
exemplo da arca, é a única embarcação segura ofertada pelo Filho de Deus,
construída e conduzida pelos homens, mas sob sua orientação direta. Portanto, pode-se
com isso afirmar que: “fora da Igreja não há salvação”.
Entretanto,
S. Paulo esclarece a questão dos que possuem a “ignorância invencível”,
revelando como age a Justiça divina. Todos os que sem culpa não puderam
conhecer a Igreja e sua doutrina, recebendo o Batismo para serem salvos (os
“sem lei”, que são os pagãos ou mesmo alguns hereges e cismáticos), podem
entrar no Céu graças à consciência de que Deus os dotou, programada para reconhecer
o que é bom, belo e verdadeiro. Quem não possui a fé autêntica, pode (e deve)
se guiar pela consciência, que indicará o que é certo e errado segundo a lei
natural posta no coração de todo ser humano. Ocorre que agindo honestamente conforme
a consciência tende-se ao que é correto. E guiando-se pelo que é correto, o que
está conforme a lei natural posta em seus corações (que se traduz nos
Mandamentos do Sinai), possibilitará com que faça parte da Igreja ainda que
indiretamente, e mesmo sem o saber. Dizemos que tais pessoas fazem parte da
“alma” da Igreja, apesar de não fazer parte de seu “corpo”. O contrário também
pode ocorrer, nos muitos que fazem parte do “corpo”, sem contudo pertencer a
“alma” da Igreja. Utilizando ainda o exemplo anterior, tais pessoas são como se
estivessem fora da arca, mas devido sua reta intenção (se tivessem ignorância
vencível se esforçariam em vencê-la), acabam por segurar os botes salva-vidas lançados
pela arca ao mar, estando a ela ligadas e por ela sendo conduzidas ainda que sem
a devida noção, sendo assim, mesmo que indiretamente, salvos pela arca. De onde
se chega à conclusão de que não há incongruência ou injustiça na afirmação:
“fora da Igreja não há salvação”.
Em tempo:
Lembremos que, como todo corpo possui uma alma, fazer parte da alma da Igreja
neste caso é, indiretamente, fazer parte de seu corpo, ainda que não se dê
conta disto. Daí que muitos protestantes sequer desconfiam que determinadas
(boas) atitudes e pensamentos seus nada mais são que herança católica, ou de
seu batismo, ou de sua criação, ou ainda da tradição legada às sociedades
durante seus dois milênios de existência.
†
Apresentação do livro
Introdução do livro
Introdução do livro
[1] De escafandro.
Roupa utilizada pelo escafandrista, pessoa que estuda o fundo do mar. Análogo a
mergulhador.
[2] Esta meretriz levava
uma grande vantagem sobre as mulheres de hoje. Ela não se importava que
dividisse, em dois pedaços, a criança que não era sua, por despeita e inveja. As
hodiernas, não se importam em deixar retalhar, em vários pedaços, as suas
próprias, por vaidade e covardia. E o que é pior: aquela ainda não conhecia o
amor em pessoa na figura do Menino-Deus. Estas sim.
[3] Método adotado pelo
filósofo grego Sócrates, onde algumas perguntas que eram feitas a ele, as
respondia com novas perguntas ao interlocutor para que este encontrasse suas
próprias respostas.
[4] Em
consequência do capítulo anterior, recebi de um site protestante a negação da
veracidade da informação das “mais de 38.000” denominações. De fato, fui
esclarecido e vi que o número não corresponde à realidade, como já desconfiava.
Torno público então meu agradecimento ao leitor pela obtenção da informação.
Ocorre que, ao contrário do que diz a fonte
(http://protestantismo.com.br/defesa_fe/denominacoes_protestantes.htm), ela não
depõe contra o catolicismo ou minha abordagem, ao contrário, reforça-a e confirma
o que lá (e aqui) são ditos, o que pode ser resumido da seguinte forma: ainda
que o protestantismo se dividisse em duas únicas seitas/denominações, já não
seria mais a igreja de Cristo, que só pode ser uma (física, política, social etc, como veremos adiante). O texto
mesmo, ao citar o que aqui já citamos de Efésios IV, depõe contra todo o
protestantismo, bastando para tanto ver quem tiver olhos. Por fim, segue
valendo a hipérbole do título e texto, demonstrando assim que os protestantes
seguem dividindo-se ao tempo em que leem na Bíblia passagens como esta e tantas
outras atestando a unicidade do Corpo Místico de Cristo.
[5] “Não é intolerância ter certeza de se estar certo; mas é intolerância
ser incapaz de imaginar como pudemos ter errado” (G.K. Chesterton).
[6] Esta passagem será detalhada
no capítulo sobre a Eucaristia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário