“Deus é silêncio e o demônio é
barulhento.” (Cardeal Robert Sara)
Entre as muitas contradições
protestantes uma tem se tornado, diríamos, gritante nos últimos cem anos. Os
melhores – se é que podemos usar este adjetivo – shows de rock ou programas de
auditório vêm perdendo e muito, especialmente para os (neo)pentecostais, neste
quesito.
De que estou falando?
Para responder à pergunta, permita-me o leitor um convite,
tanto mais se fizer parte de alguma seita do tipo “Deus é amor”, “Mundial”,
“Universal”, “Batista do caminho”, “Sopa, sabão e salvação”, “Cuspe de Cristo”
e similares. Examine, como nos orienta o Apóstolo das Gentes (cf. 2 Tess V, 21),
os diversos cultos com base nas leituras e questionamentos deste livro. Como um
observador, um estudioso ou simplesmente utilizando a razão no lugar da emoção,
atente para o comportamento das pessoas e o método utilizado pelos pastores,
dirigentes, músicos, condutores, e indague honestamente: tal balbúrdia,
histerismo coletivo, shows da fé, desmaios, estrebuchamentos, gritos e
exibicionismo “está na Bíblia”? Ao que consta, de modo especial após a vinda de
Nosso Senhor, essas manifestações eram comuns, mas entre os possessos ou
endemoniados. Relatos de reuniões e cultos cristãos, tanto nas Escrituras como
em documentos da Igreja nascente nos falam de comportamentos muito diferentes
dos shows de desordem e
sensacionalismo, sobretudo de linha (neo)pentecostal. Mesmo a narrativa do
Pentecostes não dá permissão a qualquer interpretação quimérica com fadas e
gnomos a bailar pelos ares cintilando varinhas de condão com rastros brilhantes
atrás de si. Como tampouco autoriza a qualquer igreja que se julgue cristã a
chamar-se Igreja das Bailarinas da Valsa Divina. Comparar o relato do início da
Igreja com o descontrole teatral dos cultos modernos é virar a Bíblia dos pés à
cabeça, é desordenar o que Deus ordenou, e o pai da desordem sabemos quem é.
São Paulo ao instruir sobre o culto sagrado e a diversidade
de dons por todos os capítulos XII, XIII e XIV da primeira epístola aos
Coríntios, entre outras orientações encerra este último capítulo (v. 40) com a
categórica exortação: “mas faça-se tudo convenientemente e com ordem”. É possível que
aqui também ouçamos alguém dizer: “mas o rei Davi...”, “mas o Espírito
Santo...”. Muito bem, primeiro aclaremos que o rei Davi dançou diante da
arca da aliança (cf. 2 Sam VI, 3ss), não dentro do templo, tampouco nas
cerimônias sacrificiais e solenes; ali e naquelas ocasiões ele se prostrava (cf.
2 Sam XII, 20; Sal CXXXVII, 2). E a confirmação vem no Salmo V, verso 8: “Eu,
porém, confiado na abundância da tua graça, entrarei na tua casa, prostrar-me-ei
no teu santo templo com a reverência que te é devida”. Logicamente
não podemos aplicar tais palavras aos lugares de reuniões e cultos
protestantes, pois não se tratam em absoluto de um templo, uma vez que ali não há um altar, muito menos um sacerdote
realizando um sacrifício[1]. Talvez aí tenhamos a explicação para a
balburdia e gritaria de muitos desses lugares e pessoas. Já o Espírito Santo,
quando “sopra onde quer” (Jo III, 8), sempre o faz ordenadamente, sem escândalo
ou histeria, pois Deus, além de ser um Deus de ordem, não muda jamais (cf. Mal
III, 6).
Estamos mergulhados no barulho e na agitação. E sabemos que
tais coisas não permitem um voltar-se para si, mas para fora de si. Como Deus
habita em nossos corações (dos batizados) é lá que deveríamos buscá-lo, sem
barulho, sem alarde, e ordenadamente.
“A cultura atual é uma cultura barulhenta,
cheia de televisão, de música... Estamos cheios de som, nunca descansamos.
Temos o computador e a suas distrações... Quando se olha para a natureza e as
coisas em crescimento, elas crescem em silêncio. Olha-se para as árvores e as
flores, e olhando até para os seres humanos, crescemos em silêncio. E uma
vocação é muito semelhante, a relação com Deus é muito semelhante, e cresce em
silêncio, em um ambiente onde apenas os nossos ouvidos interiores estão abertos
à escuta de Deus, que só fala no silêncio.”[2]
Por isso é que a Missa antiga, livre das contaminações
protestantes recebidas[3],
nos permite um verdadeiro e genuíno encontro com este Emannuel, pois antes,
durante e depois de receber o seu Corpo e o seu Sangue como Ele o quis, com a
reverência devida nos pomos em silêncio
adorando-O, rendendo-lhe graças e suplicando sem que ninguém precise
ver ou ouvir, pois o que se busca é a recompensa eterna, não a que passa (cf.
Mt VI, 1).
O mundo grita, como gritou na Paixão. Deus, diante do grito
dos homens cala, como calou na Paixão. Não responde, como não respondeu a
Herodes e aos fariseus barulhentos, porque não queriam ouvir, mas serem ouvidos.
Não queriam calar, mas gritar, e que seu grito fosse atendido... Mas Deus, como
sabiamente nos diz a Menina de Nazaré, exemplo aos barulhentos de todos os
tempos, é surdo aos gritos soberbos, enquanto atento aos murmúrios humildes,
sincera e silenciosamente contritos (cf. Lc I, 46-55). E isto podemos estar
certos de que “está na Bíblia”:
X Gênesis XXIV, 21: “Ora, êle contemplava em silêncio (a
água), querendo saber se o Senhor teria ou não tornado feliz a sua viagem”;
X 1 Reis XVI, 23: “Tôdas as vêzes, portanto, que o espírito
maligno... se apoderava de Saul, Davi tomava a harpa, e tocava-a com a mão,
e Saul sentia alívio, e
achava-se melhor, porque o
espírito maligno retirava-se dêle”;
X Salmo IV, 5: “Tremei; e não queirais pecar; reflecti em vossos corações, nos
vossos aposentos, e emudecei”;
X
Provérbios
XVII, 27: “Aquêle que é moderado nas suas palavras é douto e prudente; e
o homem erudito é de espírito calmo”;
X
Eclesiastes
IX, 17: “As palavras dos sábios são ouvidas em silêncio... mais do que o
clamor dos príncipes entre os insensatos”;
X Eclesiástico XXI, 23.28-31: “O insensato quando se ri,
levanta a sua voz; mas o varão sábio apenas se sorrirá em
silêncio. (...) Os lábios dos imprudentes dirão fatuidades; mas as
palavras dos homens prudentes serão pesadas na balança. O coração dos insensatos está na sua bôca, e a bôca dos sábios está no seu coração...
O mexeriqueiro contaminará a sua alma, e será aborrecido de todos; e o que mora
com êle será odioso; o homem calado, porém, e prudente, será honrado”;
X Isaías XXIX, 13; XXX, 15; LVII, 20: “... êste povo se
aproxima de mim (só) com sua bôca, e (só) com os seus lábios me
glorifica, enquanto que o seu coração está longe de mim e me presta culto
segundo ritos humanos... // Porque o Senhor Deus, o Santo de Israel diz
assim: Se vos voltardes e vos deixardes estar em paz, sereis salvos; a vossa
fortaleza estará no silêncio e na esperança. E vós não quisestes...//
Os ímpios, porém são como um mar agitado, que não pode acalmar, e
cujas
ondas se elevam, para produzir lôdo e
lama...”;
X Lucas XVIII, 10-14: “Subiram dois homens ao templo a fazer
oração: um fariseu e outro publicano. O fariseu, de pé, orava no seu
interior desta forma: Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros
homens: ladrões, injustos, adúlteros, nem como êste publicano. Jejuo duas vezes
na semana; pago o dízimo de tudo o que possuo. O publicano, porém,
conservando-se à distância, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu,
mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim pecador. Digo-vos que
êste voltou justificado para sua casa, e não o outro; porque quem se
humilha será exaltado”.
X Apocalipse VIII, 1: “E, tendo (o anjo) aberto o sétimo
sêlo, fêz-se silêncio no céu...”.
De todas, talvez a mais contundente, de beleza e lirismo
singulares seja a protagonizada pelo profeta Elias. Nela temos a límpida e
tranquila noção de que Deus se revela na calmaria mais – e muito mais – que na
tempestividade.
X 3 Reis XIX, 11s: “E (o Senhor) disse-lhe: Sai e conserva-te
sôbre o monte porque eis que o Senhor vai passar, e diante do Senhor correrá um
vento impetuoso e forte, que transtorna os montes e quebra as pedras; e o Senhor não estará no vento; e
depois do vento haverá um terremoto; e o
Senhor não estará no terremoto. E depois do terremoto, ascender-se-á
um fogo; o Senhor não estará no
fogo; e depois do fogo ouvir-se-á
o sopro de uma branda viração...”.
Diante de passagens tão claras somos obrigados a indagar: de
onde tiraram muitos protestantes a ideia de que a gritaria e histeria coletivas
de seus cultos provêm de Deus? Que espírito terá soprado às mentes dirigentes dessas seitas a conduzir o
povo em tamanha falta de sensatez, a ponto de vozes oriundas de dentro
denunciar aterradas esta distorção, defendendo a necessidade de uma “nova
reforma” só que agora do próprio protestantismo, e ademais urgente[4] -
o que não resolverá, uma vez que o problema está em sua própria raiz.
Um último detalhe
Quando a Bíblia fala em danças, cânticos, instrumentos
diversos e alegria do povo, tudo isto está associado a ocasiões particulares,
seja uma comemoração festiva, uma batalha vencida, um evento como o da
transposição da arca da aliança etc; nunca ao culto sagrado realizado no templo
onde era feito o sacrifício sobre o altar por um sacerdote
legitimamente constituído e que a Igreja manterá, com a diferença de não
ser mais com sangue e carne de animais, mas – através do vinho e do pão – com o
Sangue e o Corpo de Cristo, o “Cordeiro de Deus... que tira o pecado do
mundo” (Jo I, 29). Por isso a Santa Missa sempre manteve a reverência, que o
mundo considera monotonia e chatice, com o sofisma de que, porque Cristo
ressuscitou as celebrações devam ser festivas.
Como todo sofisma, estas alegações trazem verdades, mas unidas a inverdades. A
verdade é que de fato Cristo ressuscitou e devemos nos alegrar e festejar por
isso. A inverdade é que daí deva-se esquecer o calvário e a cruz, que
justamente nos trouxeram a ressurreição. A Missa, culto sagrado por excelência,
é antes de tudo Calvário e Cruz[5].
Fácil é querer a segunda sem passar pelos primeiros, mas isso não se aplica aos
seguidores de Cristo, como esclarecido na questão sobre a Cruz e o Crucificado[6].
Em contrapartida o que nos trouxe o protestantismo
notadamente através de (mais) uma subdivisão, o pentecostalismo? Nada menos que
a caricatura própria de satanás, o “símio de Deus”[7],
ao imitar o mundo irrequieto e histérico, recorrendo desesperadamente ao
superficial, artificial e chamativo, atraindo a atenção para si, ao invés de
para Deus[8].
Passemos uma rápida vista em um destes exemplos gritantes,
as famosas (e fabulosas) músicas gospel. Letras, melodias e ritmos
despregados do universo pagão e profano, apenas ma(ca)queados de música
religiosa. Ora, Deus não copia, mas cria. Satanás, como criatura que é, é que o
fará, mas não de forma ordenada, pois seu objetivo é o da caricatura e
desordem. Um pouco de conhecimento e consciência do sagrado revelará que o que
se tem aqui não será nada além do pagão travestido de religioso. Como as seitas
fazem de tudo para agradar o cliente, não precisará mais o ex-mundano (?) ir
agitar-se no mundo, pois eles já estão perfeitamente alojados nas igrejas self-service
adaptadas ao gosto do freguês. Nelas, o mundo se instalou e vem fazendo a
festa, literalmente.
Demos a palavra final a quem de direito, nosso Deus e Senhor,
de quem os evangélicos dizem descender. É Ele quem nos ensina e ordena,
sem gritaria:
“E, quando
orais, não haveis de ser como os
hipócritas, os quais gostam de orar em pé nas sinagogas e nos
cantos das praças, a fim de serem vistos pelos homens; em
verdade vos digo que (já) receberam a sua recompensa.
Tu, porém, quando orardes, entra no teu quarto, e, fechada a porta, em
segredo, ora ao teu Pai; e
teu Pai, que vê (o que se passa) em
segrêdo, te dará a recompensa” (Mt VI, 5s).
Em tempo: 1) Também os protestantes acusam os católicos de
outro pecado que eles próprios cometem. Citam a continuação da passagem acima (precisamente
o verso 7: “Nas vossas orações não queirais usar muitas palavras, como os
pagãos, pois julgam que, pelo seu muito falar, serão ouvidos”) atribuindo-a às fórmulas católicas, suas ladainhas,
orações etc. Tal acusação, além de erro exegético será também lógico e
matemático, pois as orações genuinamente católicas não “multiplicam” palavras de
forma improvisada e subjetiva como se faz no protestantismo e em seus cultos,
mas as repetem da mesma forma que fez o Senhor (Cf. Mt XXVI,
42ss).
Apresentação do livro
Introdução do livro
[1] Ver capítulo
anterior.
[3] Graças às
interferências maçônica e protestante, no período do Concílio Vaticano II, foi implantado
algo que se gestou durante séculos, um Novus Ordo (Novo Ordinário) para a
Missa, até então celebrada em latim (língua oficial do Culto Sagrado), com o
padre não de costas ao público, mas de frente para Deus (uma vez que ali exerce
também a função de representante nosso junto ao Senhor), e dotada do máximo de
reverência e adoração necessárias ao trato com o Criador, especialmente através
da riqueza de suas orações, cantos, gestos e símbolos. Com Bento XVI e seu Motu proprio summorum pontificum a
vemos, para a surpresa de muitos, sendo aos poucos retomada e – curioso – com
uma forte adesão por parte dos jovens, os “barulhentos” por natureza. Podemos
encontrá-las pelo Brasil através do site www.missatridentina.com.br.
[4] Ver: “OS
ABSURDOS NAS IGREJAS EVANGELICAS” PT. 1-4; 2-4; 3-4 e 4-4 - (www.youtube.com).
[5] Cristo nos
salvou, antes, por sua Paixão e morte. A ressurreição foi a natural consequência
por ser Ele o Deus da vida e a própria Vida. Daí que o caminho permanece o
mesmo: primeiro “morrer com Cristo” para depois “viver com Cristo”. É o que está
fixado especialmente na sequência de Lc IX, 24: negar a si, tomar a cruz e
segui-lo. Então, “o que perseverar até o fim será salvo” (Mt XXIV, 13). Sob o
tema da Santa Missa veremos mais adiante ao se falar da Eucaristia.
[8]
É justo consignar que o exemplo, infelizmente passou a nós católicos em
seguimentos como o da Renovação Carismática (RCC), de influência notoriamente
protestante.
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