sábado, 30 de setembro de 2017

Capítulo XIII – CRIANÇA NÃO SABE O QUE FAZ. NÃO IMPORTA. [O Batismo e o Limbo das Crianças]



“Não queirais ser como o cavalo e o mulo sem entendimento, cujo ímpeto se domina com o cabresto e o freio; doutro modo não se aproximam de ti”

(Sl XXXI, 9)

Algumas considerações preliminares

Primeira: “O que crer e fôr batizado, será salvo...” (Mc XVI, 16a).

Segunda: “... Crê no Senhor Jesus, e serás salvo tu e tua família”; por isso “... imediatamente foi batizado êle e tôda a sua família” (At XVI, 31.33).

Terceira: “... Deixai vir a mim os meninos, e não os embaraceis, porque dêstes tais é o reino de Deus” (Mc X, 14).

Muito bem. Um parênteses.

[Nasce um filho. Hora de levar ao hospital para a vacina. – “Não. Quando crescer ele decide se vai querer tomá-la”, protestam os pais, por certo liberais e moderninhos. Ou de esquerda, que (também) adoram protestar. Vem a pólio: o aleija para o resto da vida. Ou a febre amarela, o tifo, o tétano etc. Morre um filho.]

Voltando às considerações. Sobre a primeira temos que Cristo impôs duas condições à salvação: a fé e o batismo. Só entra no reino de Deus quem “... renascer por meio da água (do batismo) e do Espírito Santo...” (Jo III, 5).

Sobre a consideração segunda temos que a solução aos problemas dos pequenos vem por meio dos que receberam autoridade sobre eles, de maneira similar ao que ocorre com a lei natural, quando os pais respondem pelos filhos até possuir condições de responderem por si. É o que nos mostra o Senhor no diálogo com a cananeia: “... ó mulher, grande é a tua fé! Seja-te feito como queres. E desde aquela hora ficou sã a sua filha” (Mt XV, 28); e também o Espírito Santo: “Ouvi, filhos, os preceitos do vosso pai, e procedei de sorte que sejais salvos. Porque Deus quer honrar o pai nos filhos, e formou cuidadosamente a autoridade da mãe sôbre os filhos” (Eclo III, 2s).


Sobre a consideração terceira devolvemos novamente a pergunta tão cara aos homens da bíblia: “onde está na Bíblia”, do Genesis ao Apocalipse, um só versículo em que Deus proíba o batismo de crianças?

Quer dizer então...? exatamente! O problema é que devido aos sofismas e deturpações da Sagrada Escritura feitos pelos pastores e intérpretes não se percebe o engano demoníaco que impede se achegar a Cristo “os meninos”, isto é, as crianças para as quais o reino de Deus foi feito. Logo, quanto menos batizados, salvo por um desígnio todo especial do Criador – que não é regra, mas exceção –, menos “cidadãos” no céu. A questão que naturalmente aflorará ante este impasse será: então como ficam os não batizados? Não seria justo mandá-los ao inferno por isso!

Em Deus não pode haver injustiça, pois Ele é a própria Justiça. Mas, também é infinito. Assim sendo, toda e qualquer ofensa contra Sua pessoa se torna uma ofensa infinita. Não por capricho foi preciso que Ele próprio viesse pagar as culpas que jamais teríamos condições de pagar devido a nossa condição de criatura finita e limitada. Daí que antes de responder a dúvida acima é mister dar a entender dois pontos fundamentais sobre esta doutrina.

Um: existe duas qualidades de pecado, distintas uma da outra, ainda que interligadas, como o sangue e a água no corpo. Um é o pecado original, outro, os atuais. O primeiro gera os segundos, sendo aquele oriundo de nossos primeiros pais, Adão e Eva, assim singulares e literais. Deles herdamos como doença espiritual o germe do pecado, por isso o denominamos original, das origens. Todos, à exceção de Jesus e de Maria[1], o herdaram, donde São Paulo decretar: “... porque todos pecaram, e estão privados da glória de Deus...”[2]. Não nos iludamos, esse todos inclui as crianças, e isso o comprova o salmo: “Eis que nasci na culpa, e minha mãe concebeu-me no pecado”[3]. Daí que como Cristo obviamente o sabia, ordena a não impedir que as crianças venham a Ele “... pois delas é o Reino dos céus”. Na segunda qualidade de pecado, os atuais, está tudo o que conscientemente fazemos em desacordo com a ordem estabelecida pelo Criador, todos os dias. Destes, as crianças até a idade da razão (bem como os portadores de deficiências mentais) são isentos, uma vez que não possuam compreensão suficiente (ignorância invencível). Até fazermos uso da razão de forma consciente somos como os animais irracionais, sem noção de certo ou errado, o que nos excetua deste tipo de culpa. Quando passamos a entender passamos a pecar, devido às consequências do pecado original que enfraquece nossa inteligência e vontade para o que é reto, ainda que dele nos tenhamos livrado pelo batismo. É como um câncer, que apesar de extirpado não deixa de deixar sequelas. Disto deriva que devamos separar em duas as categorias de pecadores: os que possuem apenas a mancha do pecado original quando morrem e os que já adquiriram idade e compreensão para cometer também os atuais, que podem ser menos graves (veniais) ou mais graves (mortais).

Dois: a Bíblia e a Tradição nos dizem, explícita ou implicitamente, que existem quatro espécies de inferno (do latim infernus, região inferior). São elas: o Inferno propriamente dito (a habitação dos demônios e dos condenados), o Purgatório, o Limbo dos Justos e o Limbo das Crianças. Não me deterei aqui senão no último.

Um adulto não batizado, ao morrer corre sério risco de não entrar no reino de Deus devido a ofensa feita à Justiça e Misericórdia divinas ao recusar um benefício deixado pelo Criador e de forma condicional. Isso para o caso de que sejam portadores de ignorância vencível e/ou não se guiem pela Lei natural instalada em sua consciência racional. As crianças que não tiveram idade para cometer algum pecado atual, mas possuem a mancha do pecado original em suas almas (o vírus), que só pode ser retirado pela água do batismo (a vacina), por justiça também não poderão entrar neste Reino. É preciso especialmente no mundo atual se acabar com a noção de que Deus é só amor, mas um “amor” segundo os distorcidos critérios humanos. Deus certamente é amor/misericórdia, mas é também amor/justiça, pois uma atribuição não pode vir separada da outra. Daí S. Paulo avisar aos romanos: “Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus; a severidade para com aquêles que caíram; e a bondade de Deus para contigo, se permaneceres no bem; doutra maneira também tu serás cortado” (XI, 22). E S. Pedro a todos nós:

Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, precipitados no tártaro, os entregou às cadeias das trevas... e, se não perdoou ao mundo antigo, mas somente salvou com outros sete a Noé... e, se condenou a uma total ruína as cidades de Sodoma e de Gomorra, reduzindo-as a cinzas... (é porque) o Senhor sabe livrar os justos da tentação e reservará os maus para o dia do juízo, a fim de serem atormentados... (2 Pe II, 4-9).

Para um tema de crucial importância na vida de muitos, que é o do Limbo das Crianças, existe uma doutrina ainda não definida como dogma pela Igreja, o que não impede de encontrar em Santo Tomás de Aquino, considerado o doutor por excelência, um argumento sólido e consistente seguido por muitos outros doutores, santos e teólogos. Aqui esboçarei mui superficialmente o pensamento do santo doutor, sendo aconselhável seu aprofundamento através da Suma Teológica que elaborou ou através de pesquisa sobre o tema do Limbo em Santo Tomás. Para tal, comecemos com a continuação das palavras de Cristo acima mencionadas: “... o que, porém, não crer, será condenado” (Mc XVI, 16b). Na primeira parte deste versículo, como visto, Nosso Senhor deixa claro quais os critérios de entrada em seu Reino. Compreendendo o que seja a mancha do pecado original teremos uma ideia da perfeição e justeza desta sentença: nada de impuro pode entrar no céu, na presença de Deus, que é pureza absoluta. Em contrapartida, ao declarar que somente a falta de fé pressupõe a condenação e não a falta do batismo, abre-se outra perspectiva que pode-se resumir da seguinte forma: se para o inferno for suficiente a falta de fé (que em última instância será a negação de Deus, não da criança, mas dos pais que sobre ela possuem autoridade), mas para o céu houver a necessidade da fé e do batismo, é lógico inferir que deva existir outro lugar para os que, apesar de não ter o batismo não tiveram tempo ou condições de pecar, negar a Deus. Que não tiveram as duas condições necessárias para se obter o paraíso, mas também não passaram pela condição sine qua non à condenação eterna. Lugar semelhante existiu para receber os que morriam na graça de Deus, mas que ainda não podiam entrar no céu antes que Cristo nascesse, morresse, ressuscitasse e lhes abrisse as portas, pois ainda não tinham sido batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”: era o Limbo dos Justos, o Seio de Abraão narrado nas Escrituras.

É notório que o fato de algo não ser mencionado na Bíblia de forma explícita não significa que não possa existir ou ser verdade de fé. No caso do Limbo das Crianças, apesar de não ser explicitamente declarado também não o foi explícita ou implicitamente negado, da mesma forma que o batismo para os pequenos. Não será por isso difícil entender sua lógica, pois a doutrina defendida por S. Tomás (e com ele outros teólogos e santos), além de razoável não possui contradição alguma com a Revelação oral ou escrita. Para entendê-la precisaríamos antes saber como seria este lugar.

O doutor angélico o explica como possuindo basicamente duas características: as crianças que para lá se dirigirem, primeiro em espírito e após o Juízo final também em corpo, jamais verão a Deus “face a face”, porém jamais passarão pelo sofrimento ou a dor. O que a princípio pareceria contraditório e intricado de fato não o é. É que estas alminhas, que por negligência dos pais ou outro motivo não receberam a “vacina”, ainda que não possuam culpa (pecados atuais) não ficarão imunes à doença do pecado original, que já nasce conosco como bem o demonstrou o salmista, permanecendo suas almas manchadas (impuras, maculadas) ao morrer. Como no Céu nada de impuro pode entrar, por uma questão de justiça não entrarão, mas também por justiça não irão ao Inferno, pois não cometeram pecados voluntários, não negaram a Deus ou blasfemaram seu santo nome. Daí ser destinado a estes pequeninos um lugar sem sofrimento ou dor, apesar de não ser o paraíso. Qual o sensus iustus em tais disposições? Justamente em não conhecer o Céu.

Sigamos com a explicação tomista.

Só se deseja o que se conhece. Se desconhecemos a existência de algo não sofremos sua falta. Se nunca vimos, por exemplo, determinada pessoa, não sofremos por não tê-la ao nosso lado. O mesmo pode-se dizer de uma criança pequena que não tenha diante de si determinado objeto: ela só o desejaria e sofreria por não possuir se com ele tivesse tido contato. Com o Limbo ocorre algo semelhante. Segundo S. Tomás, por misericórdia – mas também por justiça – Deus não permite que esses pequenos tomem conhecimento da existência do Céu, para que não o desejem e assim sofram eternamente sua ausência. Acontece que devido ao Limbo ser isento de sofrimentos ou dores, o que podemos deduzir se tratar de um local agradável e feliz, para elas ali será o paraíso, o melhor lugar do mundo, não havendo assim injustiça divina alguma. Por que então, se existe, não é citado nos relatos referentes ao Juízo final? Isto se justificaria pelo fato de as almas do Limbo também não participarem dele, dado que seremos julgados pelos nossos atos, o que pressupõe inteligência e vontade suficientes para pecar. Sua ressurreição (para a qual não há exceção, pois todos haveremos de ressuscitar), por isso, se daria à parte, sem um juízo, pois nada haverá nelas (bons ou maus atos) para ser julgado.

Por outro lado, entender atualmente a doutrina do Limbo das Crianças também nos dá condições de melhor entender a “cultura da morte” impregnada nas sociedades cada vez mais paganizadas, (ir)responsáveis por um número crescente de abortos, passando por cima das leis natural e divina ao legalizar o assassinato infantil, privando milhões de crianças não só da vida, mas do batismo, porta de entrada para a eterna visão de Deus. O problema maior não é a morte, mas as condições em que se morre. Ao demônio, neste caso, não interessa tanto matar, mas fechar as portas do paraíso. Por isso vem inspirando cada vez mais celeremente os homens a criar leis desordenadas e falsas doutrinas que acarretarão, pela falta do batismo, o impedimento de se chegar a Cristo um número significativo de “meninos”[4].

Deixo para o final o maior argumento de muitas seitas para não conferir às crianças o batismo: Jesus foi batizado aos 30 anos. Se o que desejam os protestantes é seguir o exemplo de Cristo, esse será um péssimo atalho, pois aqui se encerram dois graves enganos ou deturpações. Em primeiro lugar há de deixar claro uma vez por todas que o batismo de São João Batista não foi o batismo que Cristo próprio instituiu e mandou que se fizesse a tôdas as gentes (Mt XXVIII, 19). O batismo no Jordão, como os Atos dos Apóstolos bem especifica[5], foi um outro batismo, diferente e distinto do instituído e ordenado por Cristo, sendo aquele um batismo de penitência a fim de preparar o povo judeu para a vinda do Messias, conferindo credibilidade à pessoa e missão do Batista. O que nos leva à segunda deturpação das Escrituras: tais pessoas esquecem que o próprio Cristo foi circuncidado (figura do batismo cristão, segundo o que a Igreja entende e pratica) aos oito dias de nascimento, exatamente como Deus havia ordenado a Abraão que se fizesse a todos os varões do povo escolhido e os a ele associado, a partir desta idade. Este rito, a exemplo do Matrimônio e da Ordem (Sacerdócio) foi elevado pelo Senhor na Nova Aliança à categoria de Sacramento, adquirindo maior dimensão que a circuncisão judaica. Por isso se tornará uma questão sine qua non para se adquirir a visão beatífica ou divina na outra vida. Notemos que isto já está claramente sinalizado na própria circuncisão veterotestamentária, figura do Batismo: “Este meu pacto (será marcado) na vossa carne para (sinal de) aliança eterna. O indivíduo do sexo masculino, cuja carne não tiver sido circuncidada, será excluído do seu povo, porque violou a minha aliança” (Gen XVII, 13s).

Lutero e outros protestantes contemporâneos, mesmo errando em grande parte de suas doutrinas manteram o Batismo conforme a visão da Igreja, prova disso é que ela o reconhece em algumas seitas por cumprir a ordem de Nosso Senhor, isto é, batizar com a intenção de apagar a mancha do pecado original e de todo e qualquer pecado, transformando as criaturas em filhos adotivos e inserindo-as na graça santificante que abre as portas do Reino de Deus, antes, a todos os demais Sacramentos. Os que nestas seitas são batizados não necessitam de outro batismo ao aportar ou retornar ao seio da Igreja.

Já com a maioria dos protestantes uma nova e grave contradição se manifesta sem que muitos se deem conta: inúmeras seitas obrigam os neófitos a se batizar ainda que tenham já sido batizados em outra seita irmã, o que nos dá o direito à pergunta: onde está a “unidade no fundamental”, sendo que na Bíblia lemos: “há um só batismo”? É justo dizer que algumas aceitam o batismo de outras, mas isso não valerá para todas.

Em tudo, no entanto, as piores consequências não estarão com as crianças, que apesar de não desfrutar do Paraíso não experimentarão o Inferno, mas sim com quem, seja por qual motivo for, salvo ignorância invencível, não as “vacinou”.

Em tempo: 1) A Igreja, em sua extrema bondade e sabedoria nos aponta três possibilidades para se obter o Batismo. E como recebeu do Fundador o poder de “ligar e desligar”, o que ela determina como verdade de fé não pode conter erro. Estudando-se o Catecismo lá se encontrará as três possibilidades e outras importantes informações sobre este assunto de extrema importância.

2) Com relação ao Limbo, mui interessante é o relato de outra revelação de Jesus a Santa Brígida, que corrobora a doutrina do Aquinate[6]. Tais revelações chamadas “particulares” ou “privadas”, apesar de não ter a autoridade do dogma e não obrigar ao fiel à sua aceitação, em alguns casos recebem o aval da autoridade eclesiástica que atesta não haver erro teológico ou relativo à fé e à moral, o que aqui é o caso; por isso me permito transcrever parte de uma destas revelações, em que Cristo fala sobre o tema. Ela se encontra no livro 2, capítulo 1 de As profecias de Santa Brígida: “Devido ao meu grande amor, eu dou o reino dos céus a todos os batizados que morrem antes de atingirem a idade do discernimento. Como está escrito: É do agrado do meu Pai conceder o Reino dos Céus a tais como estes. Devido ao meu terno amor, Eu mostro misericórdia até mesmo às crianças dos pagãos [as não batizadas]. Se qualquer um deles morre antes de atingir a idade do discernimento, eles não podem me conhecer face a face, e vão para um lugar que não é permitido que se saiba, mas onde eles viverão sem sofrimento”.

3) Ao contrário do que se acredita e é pregado por alguns até dentro da Igreja, o “dogma” do Limbo das Crianças nunca foi abolido ou negado, simplesmente porque nunca chegou a se tornar um dogma, que não pode ser abolido, negado ou mesmo modificado. Daí que a questão continua aberta. E ao considerarmos o que disse Nosso Senhor a Santa Brígida, ainda continuará até que o próprio Deus dê a conhecer o mistério e a Igreja possa então decretá-lo uma verdade de fé, o que não impede de ver na existência do Limbo algo coerente com a mesma fé e a justiça/misericórdia divinas.


Apresentação do livro

Introdução do livro


[1] Como o veremos no capítulo sobre Nossa Senhora mais à frente.
[2] Rom III, 23.
[3] Sl L, 7,
[4] A esse propósito ver o artigo postado na rede Primeiro de três - O Aborto e o Limbo ou Diante do Supremo Tribunal Celestial, em que faço menção ao presente texto, publicado anteriormente no livro Evangélico, graças a Deus!(?) sob o pseudônimo de Frei Zaqueu.
[5] At XIX, 1-7.
[6] Por ser um testemunho real e de nosso tempo, valerá também a pena conhecer a história de um dos maiores aborteiros do século passado, e como Santo Tomás de Aquino (o Aquinate) o levou a tornar-se um dos maiores pró-vida. Neste link a podemos conferir: http://www.ofielcatolico.com.br/2006/12/medico-campeao-em-abortos-convertido.html







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