O Professor emérito de Filosofia do
conhecimento na Universidade Lateranense de Roma, Presidente da International
«Sensus communis» Association e Diretor Editorial da Casa editrice Leonardo da
Vinci explica as razões e o sentido da correção filial ao Papa Francisco, à que
agregou sua assinatura.
Antonio Livi – 28/09/17 17:58
Estimado
Diretor:
Imagino
que os leitores (da mesma forma que alguns de teus companheiros de trabalho),
ao ver minha assinatura na parte inferior da «correctio filialis», se terão perguntado
se esta iniciativa está coerente com o que vou escrevendo durante anos em meus
livros, em artigos de revistas científicas e incluso nos muitos artigos que me
pediste e publicaste na «Nuova Bussola Quotidiana» (NBQ). Por outra
parte sei que muitas interpretações jornalísticas do evento o carregam de
conotações negativas: se fala de uma «afronta ao Papa», de um «gesto de
rebelião» etc. Sobretudo, por parte daqueles que não têm nenhum interesse real
no que se concerne à fé católica, não têm em conta o conteúdo propriamente
doutrinal do documento, limitando-se a enquadrá-lo na luta intraeclesial entre
conservadores e progressistas. Desta maneira teria participado em um ato
subversivo, gravemente lesivo da unidade da Igreja sob a guia de seu Pastor
Supremo. As coisas não são assim em absoluto, e os leitores da NBQ merecem uma
informação mais veraz, tanto sobre o documento em si como sobre o fato de que
eu o tenha assinado. Trato de aclarar tudo ordenadamente.
1) Eu pessoalmente assinei esse documento por um motivo
puramente teológico e pastoral,
ou seja, por aquele compromisso apostólico que São João Paulo II pedia a todos
os católicos no motu propio Ad tuendam fidem (18 de maio de
1998). Outros o fizeram por outros motivos e em representação de
ambientes e alinhamentos eclesiais autodefinidos como «tradicionalistas». Eu em
câmbio falo e escrevo em nome da Igreja, quando se trata de comunicar a fé na catequese
e no ensino da teologia; se depois se trata de expor, não o dogma, mas as
hipóteses de interpretação do dogma (isto é, as opiniões), falo em meu próprio
nome, sem misturar a certeza absoluta da fé com as certezas relativas das
ideologias.
Por
isto, eu nunca fui, e continuo sem sê-lo, nem um conservador nem um
tradicionalista. Respeito a quem ama etiquetar-se e ser etiquetados assim, mas
para mim basta e sobra a qualificação de católico. Sou simplesmente um católico
que estuda por toda uma vida a verdade da fé cristã, a transmite através de seu
ministério sacerdotal, mostra seu notável progresso histórico (chamado
acertadamente «evolução homogênea do dogma»), ao mesmo tempo que combate as
adulterações secularistas assim como os reducionismos ideológicos e políticos,
não importa se de caráter conservador ou progressista (o sabem muito bem os
muitos leitores de meu tratado sobre a verdadeira e falsa teologia. Como
distinguir a autêntica «ciência da fé» de uma equívoca filosofia religiosa, que
chegou agora à terceira edição).
2) Esse documento eu o li cuidadosamente antes de pôr
minha assinatura,
e o corrigi em algumas frases que considerei inapropriadas. Ao final me
pareceu oportuno, no momento presente, dirigir este chamamento urgente ao Papa
para que ponha fim, enquanto está em seu poder, à deriva antidogmática de certa
teologia tendencialmente heterodoxa (Karl Rahner e Teilhard de Chardin a Hans
Küng e Walter Kasper), que chegou a ser dominante nos centros de formação
eclesiásticos, no episcopado católico, e incluso nos dicastérios
pontifícios, chegando a contaminar a linguagem e as referências teológicas de
certos documentos do magistério pontifício, como foi o caso da exortação
apostólica Amoris laetitia.
3) É lícito tal recurso, inclusive nos termos respeitosos com que foi redigido e
entregado ao Papa? Certamente é moralmente lícito e canonicamente
legítimo. Este, de fato, contrariamente à forma em que foi apresentado
pelos comentaristas pouco atentos ou propensos ao sensacionalismo, não
tem intenção de acusar ao Papa de heresia, mas o chama respeitosamente
a não favorecer ulteriormente a deriva claramente herética que contamina a vida
da Igreja. O que significa, na prática, pedir-lhe respeitosamente a retificação
de algumas de suas tendências pastorais que têm resultado ambíguas ou
desorientadoras, sobretudo porque são contrárias a uma tradição dogmática e
moral bem estabelecida, respaldada pelo magistério solene e ordinário de seus
predecessores imediatos.
Em
outras palavras, a «correctio filialis» não assinala que o Papa tenha incorrido
em heresia com atos interpretáveis como verdadeiro e autêntico magistério
pontifício (o que se chama «magistério ordinário e universal»); ou seja, não
assinala que em suas encíclicas e na exortação apostólica pós-sinodal seja
evidente alguma heresia propriamente dita, ou seja um ensinamento dogmático
materialmente incompatível com a fé já definida pela Igreja. Se a «Correctio
filialis» contivesse tal acusação, certamente não a teria assinado. A hipótese
de um Papa herege eu a rejeitei energicamente em um livro recentemente
publicado (Teologia e Magistero, oggi[1], Leonardo da
Vinci, Roma 2017), aduzindo argumentos que creio que sejam teologicamente
indiscutíveis, incluso em oposição a alguns estudiosos que são também
assinantes da «Correctio filialis» (por exemplo, Roberto De Mattei).
Em
câmbio, a «correctio filialis» assinala que a praxis pastoral do
Papa está contribuindo à propagação de heresias, tanto para os pontos que
utiliza em seus discursos e documentos (argumentos claramente derivados de
conselheiros conhecidos por sua má doutrina), como por suas decisões de governo
(designações de alguns e demissões ou afastamento de outros) que terminam por
dar poder e prestígio na igreja aos teólogos que ensinam tais heresias desde há
tempos, enquanto que afasta de se e dos dicastérios da Santa Sé aos teólogos de
reto critério.
4) Quem dá a mim e a todos os demais assinantes o direito
de dirigir este chamamento ao Papa? Não
seria herege precisamente o fato de contradizer o ensinamento de um Papa ou
negar sua autoridade doutrinal? Não, não é um ato herético, porque só há
heresia onde se contradiz formalmente um dogma, e com essas observações
críticas da «correctio filialis» não se contradiz nenhum dogma
formulado pelo Papa Francisco nem nenhuma doutrina moral que tenha proposto
como verdade que obriga a todos os católicos a crê-la como irreformável. A
«Correctio filialis» denuncia justamente o contrário, isto é, o fato de que
algumas declarações pastorais do Papa Francisco questionam a doutrina que seus
predecessores tinham proposto como verdade já definida.
5) Agora, chamar a atenção do Papa sobre o efeito
nocivo que esta
práxis - ainda que provavelmente ditada por boas intenções pastorais - está
produzindo na opinião pública católica, não é ofensivo para o Papa e não nasce
da presunção ou o espírito de controvérsia ou divisão. Cabe assinalar que a
práxis da autoridade eclesiástica está feita por decisões prudenciais, que
podem ser julgadas (por Deus) mais ou menos sábias e oportunas, mas sempre se
pode retificar à vista de seus efeitos. Disse que só Deus é o juiz destas ações
de seus ministros. Mas também aos fiéis se lhes permite ter uma opinião (não a
certeza absoluta, que nesta matéria os homens não podem ter) sobre a
conveniência ou utilidade deste tipo de decisões prudenciais da autoridade
eclesiástica.
Eu
cheguei à certeza (só relativa, por suposto) de que esta práxis de um
magistério não dogmático, «líquido», reformista, é mais, revolucionário, não é
útil para o verdadeiro bem das almas, ou seja no progresso da vida cristã de
todos os fiéis da Igreja Católica. Esta é uma opinião que me formulei
principalmente sobre a base de minha experiência pessoal da administração dos
sacramentos, e em seguida recolhendo também as experiências de meus irmãos
sacerdotes que estão em uma crise de consciência sobre como entender e como
aplicar as novas diretrizes pastorais de Amoris laetitia.
6) A iniciativa da «Correctio» é contrária
ao sensus ecclesiae? A
correção fraterna entre os discípulos de Cristo é mandada pelo mesmo Cristo no
Evangelho. Eu, como todo cristão, me refiro ao sensus ecclesiae como
responsabilidade ao Evangelho, que deve ser vivido pessoalmente e professado
comunitariamente. Ademais, como sacerdote, sou e me sinto participe da missão
apostólica do colégio episcopal (a «Sollicitudo omnium Ecclesiarum»),
que vivo mantendo-me sempre em comunhão de fé e de disciplina eclesiástica com
meu ordinário diocesano, que é o mesmo Papa, Bispo de Roma (pertenço de fato ao
clero romano). A aplicação prática desta participação, afetiva e efetiva, à
missão apostólica do Colégio episcopal é a preocupação acerca dos ensinamentos
e orientações pastorais da Igreja são aceitas e vividas, o que contribui
positivamente à construção do Povo de Deus na fé e na caridade.
Esta
preocupação hoje em dia cresce pela gravíssima desorientação pastoral
causada pela interpretação ideológica dos documentos do Concílio Vaticano II
assim como pelo magistério pós-conciliar de acordo com aquela
"hermenêutica da ruptura" que foi denunciado em seu momento pelo Papa
Bento, e que consiste na percepção generalizada de que já não existe uma
«doutrina da fé», mas só programas de reforma da Igreja Católica para
homologá-la às outras religiões, sobre a base de uma «ética mundial» também
patrocinada pelas ideologias políticas dominantes no mundo (veja-se minha
introdução teológica ao livro de Danilo Quinto, Disorientamento
pastorale[2], Leonardo
da Vinci, Roma 2016). Nestas circunstâncias eclesiais, há pouco escrevi em NBQ,
que cada um dos fiéis católicos devem fazer o que está dentro de seu alcance,
eu faço o que posso, enquanto creio que é útil.
Publicado
originalmente em La Nuova Bussola Quotidiana. 27 de
setembro de 2017.
Traducción de Cristián Cisneros
Tradução de Airton Vieira
Fonte: Infocatolica - Correción al Papa, la verdad que
los lectores merecen
Salve Maria! Ótimo artigo, oportunamente esclarecedor e coerentemente informativo.
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