sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Correção ao Papa, a verdade que os leitores merecem

Corrección al Papa, la verdad que los lectores merecen

O Professor emérito de Filosofia do conhecimento na Universidade Lateranense de Roma, Presidente da International «Sensus communis» Association e Diretor Editorial da Casa editrice Leonardo da Vinci explica as razões e o sentido da correção filial ao Papa Francisco, à que agregou sua assinatura.


Antonio Livi – 28/09/17 17:58

Estimado Diretor:
Imagino que os leitores (da mesma forma que alguns de teus companheiros de trabalho), ao ver minha assinatura na parte inferior da «correctio filialis», se terão perguntado se esta iniciativa está coerente com o que vou escrevendo durante anos em meus livros, em artigos de revistas científicas e incluso nos muitos artigos que me pediste e publicaste na «Nuova Bussola Quotidiana» (NBQ). Por outra parte sei que muitas interpretações jornalísticas do evento o carregam de conotações negativas: se fala de uma «afronta ao Papa», de um «gesto de rebelião» etc. Sobretudo, por parte daqueles que não têm nenhum interesse real no que se concerne à fé católica, não têm em conta o conteúdo propriamente doutrinal do documento, limitando-se a enquadrá-lo na luta intraeclesial entre conservadores e progressistas. Desta maneira teria participado em um ato subversivo, gravemente lesivo da unidade da Igreja sob a guia de seu Pastor Supremo. As coisas não são assim em absoluto, e os leitores da NBQ merecem uma informação mais veraz, tanto sobre o documento em si como sobre o fato de que eu o tenha assinado. Trato de aclarar tudo ordenadamente.



1) Eu pessoalmente assinei esse documento por um motivo puramente teológico e pastoral, ou seja, por aquele compromisso apostólico que São João Paulo II pedia a todos os católicos no motu propio Ad tuendam fidem (18 de maio de 1998). Outros o fizeram por outros motivos e em representação de ambientes e alinhamentos eclesiais autodefinidos como «tradicionalistas». Eu em câmbio falo e escrevo em nome da Igreja, quando se trata de comunicar a fé na catequese e no ensino da teologia; se depois se trata de expor, não o dogma, mas as hipóteses de interpretação do dogma (isto é, as opiniões), falo em meu próprio nome, sem misturar a certeza absoluta da fé com as certezas relativas das ideologias.
Por isto, eu nunca fui, e continuo sem sê-lo, nem um conservador nem um tradicionalista. Respeito a quem ama etiquetar-se e ser etiquetados assim, mas para mim basta e sobra a qualificação de católico. Sou simplesmente um católico que estuda por toda uma vida a verdade da fé cristã, a transmite através de seu ministério sacerdotal, mostra seu notável progresso histórico (chamado acertadamente «evolução homogênea do dogma»), ao mesmo tempo que combate as adulterações secularistas assim como os reducionismos ideológicos e políticos, não importa se de caráter conservador ou progressista (o sabem muito bem os muitos leitores de meu tratado sobre a verdadeira e falsa teologia. Como distinguir a autêntica «ciência da fé» de uma equívoca filosofia religiosa, que chegou agora à terceira edição).
2) Esse documento eu o li cuidadosamente antes de pôr minha assinatura, e ​o corrigi em algumas frases que considerei inapropriadas. Ao final me pareceu oportuno, no momento presente, dirigir este chamamento urgente ao Papa para que ponha fim, enquanto está em seu poder, à deriva antidogmática de certa teologia tendencialmente heterodoxa (Karl Rahner e Teilhard de Chardin a Hans Küng e Walter Kasper), que chegou a ser dominante nos centros de formação eclesiásticos,  no episcopado católico, e incluso nos dicastérios pontifícios, chegando a contaminar a linguagem e as referências teológicas de certos documentos do magistério pontifício, como foi o caso da exortação apostólica Amoris laetitia.
3) É lícito tal recurso, inclusive nos termos respeitosos com que foi redigido e entregado ao Papa? Certamente é moralmente lícito e canonicamente legítimo. Este, de fato, contrariamente à forma em que foi apresentado pelos comentaristas pouco atentos ou propensos ao sensacionalismo, não tem intenção de acusar ao Papa de heresia, mas o chama respeitosamente a não favorecer ulteriormente a deriva claramente herética que contamina a vida da Igreja. O que significa, na prática, pedir-lhe respeitosamente a retificação de algumas de suas tendências pastorais que têm resultado ambíguas ou desorientadoras, sobretudo porque são contrárias a uma tradição dogmática e moral bem estabelecida, respaldada pelo magistério solene e ordinário de seus predecessores imediatos.
Em outras palavras, a «correctio filialis» não assinala que o Papa tenha incorrido em heresia com atos interpretáveis como verdadeiro e autêntico magistério pontifício (o que se chama «magistério ordinário e universal»); ou seja, não assinala que em suas encíclicas e na exortação apostólica pós-sinodal seja evidente alguma heresia propriamente dita, ou seja um ensinamento dogmático materialmente incompatível com a fé já definida pela Igreja. Se a «Correctio filialis» contivesse tal acusação, certamente não a teria assinado. A hipótese de um Papa herege eu a rejeitei energicamente em um livro recentemente publicado (Teologia e Magistero, oggi[1], Leonardo da Vinci, Roma 2017), aduzindo argumentos que creio que sejam teologicamente indiscutíveis, incluso em oposição a alguns estudiosos que são também assinantes da «Correctio filialis» (por exemplo, Roberto De Mattei).
Em câmbio, a «correctio filialis» assinala que a praxis pastoral do Papa está contribuindo à propagação de heresias, tanto para os pontos que utiliza em seus discursos e documentos (argumentos claramente derivados de conselheiros conhecidos por sua má doutrina), como por suas decisões de governo (designações de alguns e demissões ou afastamento de outros) que terminam por dar poder e prestígio na igreja aos teólogos que ensinam tais heresias desde há tempos, enquanto que afasta de se e dos dicastérios da Santa Sé aos teólogos de reto critério.
4) Quem dá a mim e a todos os demais assinantes o direito de dirigir este chamamento ao Papa? Não seria herege precisamente o fato de contradizer o ensinamento de um Papa ou negar sua autoridade doutrinal? Não, não é um ato herético, porque só há heresia onde se contradiz formalmente um dogma, e ​com essas observações críticas da «correctio filialis» não se contradiz nenhum dogma formulado pelo Papa Francisco nem nenhuma doutrina moral que tenha proposto como verdade que obriga a todos os católicos a crê-la como irreformável. A «Correctio filialis» denuncia justamente o contrário, isto é, o fato de que algumas declarações pastorais do Papa Francisco questionam a doutrina que seus predecessores tinham proposto como verdade já definida.
5) Agora, chamar a atenção do Papa sobre o efeito nocivo que esta práxis - ainda que provavelmente ditada por boas intenções pastorais - está produzindo na opinião pública católica, não é ofensivo para o Papa e não nasce da presunção ou o espírito de controvérsia ou divisão. Cabe assinalar que a práxis da autoridade eclesiástica está feita por decisões prudenciais, que podem ser julgadas (por Deus) mais ou menos sábias e oportunas, mas sempre se pode retificar à vista de seus efeitos. Disse que só Deus é o juiz destas ações de seus ministros. Mas também aos fiéis se lhes permite ter uma opinião (não a certeza absoluta, que nesta matéria os homens não podem ter) sobre a conveniência ou utilidade deste tipo de decisões prudenciais da autoridade eclesiástica.
Eu cheguei à certeza (só relativa, por suposto) de que esta práxis de um magistério não dogmático, «líquido», reformista, é mais, revolucionário, não é útil para o verdadeiro bem das almas, ou seja no progresso da vida cristã de todos os fiéis da Igreja Católica. Esta é uma opinião que me formulei principalmente sobre a base de minha experiência pessoal da administração dos sacramentos, e em seguida recolhendo também as experiências de meus irmãos sacerdotes que estão em uma crise de consciência sobre como entender e como aplicar as novas diretrizes pastorais de Amoris laetitia.
6) A iniciativa da «Correctio» é contrária ao sensus ecclesiae? A correção fraterna entre os discípulos de Cristo é mandada pelo mesmo Cristo no Evangelho. Eu, como todo cristão, me refiro ao sensus ecclesiae como responsabilidade ao Evangelho, que deve ser vivido pessoalmente e professado comunitariamente. Ademais, como sacerdote, sou e me sinto participe da missão apostólica do colégio episcopal (a «Sollicitudo omnium Ecclesiarum»), que vivo mantendo-me sempre em comunhão de fé e de disciplina eclesiástica com meu ordinário diocesano, que é o mesmo Papa, Bispo de Roma (pertenço de fato ao clero romano). A aplicação prática desta participação, afetiva e efetiva, à missão apostólica do Colégio episcopal é a preocupação acerca dos ensinamentos e orientações pastorais da Igreja são aceitas e vividas, o que contribui positivamente à construção do Povo de Deus na fé e na caridade.
Esta preocupação  hoje em dia cresce pela gravíssima desorientação pastoral causada pela interpretação ideológica dos documentos do Concílio Vaticano II assim como pelo magistério pós-conciliar de acordo com aquela "hermenêutica da ruptura" que foi denunciado em seu momento pelo Papa Bento, e que consiste na percepção generalizada de que já não existe uma «doutrina da fé», mas só programas de reforma da Igreja Católica para homologá-la às outras religiões, sobre a base de uma «ética mundial» também patrocinada pelas ideologias políticas dominantes no mundo (veja-se minha introdução teológica ao livro de Danilo Quinto, Disorientamento pastorale[2], Leonardo da Vinci, Roma 2016). Nestas circunstâncias eclesiais, há pouco escrevi em NBQ, que cada um dos fiéis católicos devem fazer o que está dentro de seu alcance, eu faço o que posso, enquanto creio que é útil.
Publicado originalmente em La Nuova Bussola Quotidiana. 27 de setembro de 2017.
Traducción de Cristián Cisneros
Tradução de Airton Vieira

Fonte: Infocatolica - Correción al Papa, la verdad que los lectores merecen



[1] Teologia e Magistério, hoje.
[2] Desorientação pastoral.

Um comentário:

  1. Salve Maria! Ótimo artigo, oportunamente esclarecedor e coerentemente informativo.

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