Nota do tradutor: Duas questões
pontuais gostaria de fazer menção. A primeira, menos importante, é com relação
ao desfecho, totalmente dispensável, dado por 1P5 neste artigo, posto que o que
de fato importa não é o que pensamos, mas se estamos dispostos a encarar o tema
com a seriedade e premência devidas. A segunda, mais importante, é com relação
ao tema em si, que, diria, com coragem profética é trazido à tona por Patrick
Archbold, ainda que muito dele já se vislumbrasse lá atrás. Aqui não se trata
mais de discordar ou concordar, como de estudar, aprofundar, escafandrar o
assunto com olhar reto e objetivo, pois os inimigos da fé não dormem, e o
caminhão já está virando a curva para nos bater de frente, e, atentos!, ele não
é nada pequeno. Digo-o não por mera opinião, que de nada vale, mas, entre
outros, por ter sido testemunha ocular de um dos fatos aqui mencionados, o da “visita
oficial sul-americana...”. E, creiam-me, não é algo nada agradável de se
vivenciar.
Tradução de Airton Vieira* – Em seu blog de sempre, Creative Minority Report, Patrick Archbold, o
colaborador de 1P5 e de Remnant, escreveu um
artigo dividido em cinco
partes sobre “promover” o Cisma na
Igreja. Alguns de vocês vão querer lê-las todas, mas gostaria oferecer-lhes uma
versão resumida ao modo de introdução.
Na primeira
parte, Archbold começa com uma citação
atribuída ao Papa Francisco em 2016 –informada aqui— na que supostamente disse, “Não há que excluir
que [eu] possa entrar na história como o Papa que dividiu a Igreja Católica.”
“Esta citação”, escreve Archbold, “é
de Der Spiegel. Mas é o correspondente do Spiegel na Itália, Walter Mayr, quem apresenta
essa declaração como autocrítica. Baseando-me em todas as provas até o presente
momento e no que creio que possa vir, suspeito se tratar de uma má interpretação
da declaração. O Papa não estava sendo autocrítico, estava contando-nos seu
plano”.
Estava contando-nos seu plano.
Durante
anos, parece que algo que muitos comentaristas católicos não foram conscientes
ao tratar de entender com o papado atual é que as gafes, os erros bem
intencionados, as irregularidades e incluso a absoluta incompetência não
explicam o fenômeno Francisco.
A
intencionalidade explica.
Não
posso ler os corações e as mentes, e certamente não posso ler as almas. Mas
posso dizer aonde aponta a evidência. E todos os indícios que tenho observado mostram
que Jorge Mario Bergoglio, o homem que chegou a ser o Papa Francisco, examina a
Igreja Católica tal como se encontra agora com as ideias de destruição e reconfiguração
no primeiro plano de seu pensamento.
Archbold
utiliza como ponto de partida as manipulações evidentes nos dois Sínodos da Família,
além do fato consumado, meridianamente claro, [do] que foi o Sínodo da Juventude
de outubro passado. Archbold escreve,
Não
somente eliminaram todas as regras de antemão e encheram o Sínodo de gente maleável,
como que em realidade publicaram um documento sinodal que tratava substancialmente
de um tema sequer tratado no Sínodo, a sinodalidade em si mesma. Devemos lhes
conceder: são os hereges drogados. Simplesmente não lhes importa.
Archbold
argumenta que a intensificação de manobras no Sínodo se produziu em resposta
direta aos “católicos fiéis” que falaram “muito claramente e lhes causaram mais
problemas dos que estão dispostos a suportar”. Sim, está falando de você e de mim,
entre outros. Sua tese é que a Igreja “esteve de fato em um estado de cisma
durante algum tempo”, mas embora os que rejeitassem o ensino da Igreja se negassem
a ir, agora “estão no comando”.
“Eles
não queriam fazer sua própria Igreja”, escreve Archbold. “Queriam a nossa. Agora
têm o poder e o usam”.
A
pergunta que engloba tudo é a seguinte: como se desfazer dos católicos que se opõem?
Ou, mais concretamente, como converter um cisma de fato em um real?
Na segunda
parte, Archbold argumenta que os que têm agora
o poder na Igreja “estão implementando mecanismos que não darão quartel aos
católicos fiéis”. E por ‘não dar quartel’, se entende que
… estão
dando uma série de passos destinados a colocar os católicos fiéis,
especialmente os católicos tradicionais[1],
no rincão onde eles querem exatamente que estejamos. Em resumo, estão executando
uma série de jogadas de seu livro de estratégias para pôr os católicos
tradicionais em uma posição na que devam capitular ou ser desobedientes em algum
grau. Buscam a desobediência.
Sua
teoria é que este mecanismo –a desobediência forçada– se empregará para “separar
os católicos tradicionais da Igreja”.
Ele dá exemplos: os Freis
Franciscanos da Imaculada, uma visita oficial sul-americana empregada para tirar
um bispo simpático à Tradição que havia criticado outros bispos de sua região, a
eliminação—nunca explicada oficialmente– do bispo Martin Holley de Memphis
(Holley parece
crer que foi um castigo por um desprezo
anterior, do cardeal Wuerl, caído em desgraça mas ainda forte), a “visita e destruição”
das Petites Sœurs de Marie Mère du Rédempteur, quem, diz Archbold, “cometeram o
duplo delito de ser um pouco ‘conservadoras demais’ e possuir alguns bens que o
Bispo local cobiçava”, assim como a Ordem soberana e militar de Malta.
Provavelmente
há mais que poderia se agregar à lista.
“Seja
uma ordem de inclinação tradicional”, escreve Archbold, “os moderadamente
conservadores, ou incluso um bispo que não aceita o programa, a mensagem e o
método são claros: quando querem que se vá, podem fazer que se vá”.
Recentemente,
diretrizes adicionais de Roma fizeram com que se torne ainda mais difícil para
essas pessoas recorrer quando são tratadas injustamente. Incluso os bispos, não
raro indicados por Francisco como aqueles que devem decidir em suas regiões, agora
necessitam uma permissão de Roma antes de erigir institutos de vida consagrada em
suas dioceses, algo que os bispos sempre tiveram o poder de fazer.
A
terceira parte da série de Archbold se centra
no que está se fazendo com a vida religiosa. Diz, citando
a Hilary White, que algumas das mudanças nas regras
introduzidas pelo Vaticano recentemente assinalam “o fim da vida monástica
contemplativa”. Cita
a Hilary ademais em referência à natureza
vital dos religiosos enclaustrados, e vale a pena repeti-lo aqui:
Uma
vez que se enclaustram, o mundo se esquece deles. Mas a vida religiosa
contemplativa é como as mitocôndrias da Igreja, a fonte de energia da célula
que faz que todos os outros sistemas funcionem. As mitocôndrias são as mais
discretas e ocultas dos orgânulos do corpo, e durante muito tempo sua função não
se entendeu completamente. Mas agora sabemos que nossas vidas dependem da saúde
desta pequena coisa secreta e oculta. E a doença mitocondrial –quando as
mitocôndrias não funcionam–é devastadora.
Não
irei ao nível de detalhe de Archbold, mas ele destaca uma série de indicadores
de que “o Papa Francisco claramente não gosta das ordens contemplativas” e atua
em consequência. “A vida monástica católica tradicional”, conclui, “está
acabada. Não pode e não sobreviverá a este ataque, se algo não mudar”.
E
não se trata só de acabar com as coisas. Se trata de exterminar as que começam.
Pensem sobre isto:
Pouco
a pouco, estão destruindo as vias para que os religiosos pratiquem o
catolicismo tradicional. Simplesmente não estão deixando aos católicos
tradicionais com vocação nenhum lugar para ir, exceto aonde eles querem que vão.
Estão cortando diligente e sistematicamente todas as vias de escape. Isto é
fundamental para entender minha tese sobre como podem em um futuro [próximo] causar
a divisão na Igreja, pela que o Papa Francisco vem definhando abertamente.
A quarta
parte da série trata sobre a
“sinodalidade”, o estranho e mal definido conceito que foi o principal ponto do
Sínodo da Juventude; um tema do que, como argumenta Archbold, nem sequer era
tratado no Sínodo. Em lugar de tentar resumir, citarei aqui com mais detalhe:
Os meios católicos aprovados pelo comitê executivo lhe dirão que a sinodalidade tem a ver com
descentralizar o governo da Igreja, para que seja mais próxima à gente em forma
de Conferência Episcopal. Isto, obviamente, não poderia estar mais longe da
verdade. Em uma incrível validação da mentira, antes de que se secasse a tinta
do documento do Sínodo sobre a sinodalidade, o Papa interveio pessoalmente para
castrar publicamente a USCCB (Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos),
antes de que sequer se pensasse em discutir inutilmente sobre o escândalo de
abuso sexual. Foi todo um espetáculo, inclusive para observadores veteranos da
Igreja.
Para
compreender de que se trata a pressão para a sinodalidade, deve se observar o
padrão descrito anteriormente. Em cada passo, restringem o direito dos bispos e
outros grupos a atuar por sua conta e sob sua própria autoridade de forma que
colida com o super-dogma do ‘Vaticano Segundismo’. A sinodalidade não tem a ver
com dar mais autoridade às Conferências Episcopais, como se demonstra
inegavelmente em Baltimore. Se trata de restringir a capacidade de qualquer bispo
individual para atuar por sua conta. Se trata de assegurar que nenhum bispo
ortodoxo extraviado possa ser um bastião da Tradição e um espaço seguro para o
catolicismo tradicional. Não pode permitir que novos grupos de religiosos se
formem em sua diocese, não pode convidar as monjas tradicionais a se instalar
em sua diocese, e se fizer algo demasiado tradicional, receberá uma visita
apostólica pelo crime de não estar ‘em comunhão’ com sua Conferência Episcopal.
Tudo isto foi para cortar todas as vias de escape aos católicos tradicionais.
Archbold
reconhece que esta última linha não é “totalmente certa”. Este é o ponto
crítico:
Algumas
vias de escape foram deixadas abertas. Abri este ensaio com uma citação de Sun
Tzu, “A um inimigo sitiado, deves deixar-lhe uma via de escape”. Corta todas as
vias de escape menos uma. Coloca teus inimigos em um só lugar fazendo-lhes crer
que não há outro lugar aonde ir.
Archbold cita em seguida uma história
que tratamos
aqui há um par de semanas, na que um
bispo na reunião da Conferência Episcopal Italiana (CEI) em novembro atacou o Summorum Pontificum e sua afirmação de que a missa
latina tradicional nunca foi ab-rogada e, portanto, permitida em todas as partes.
Tal
como especula Archbold, esta permissão universal para celebrar a Antiga Missa sem
uma permissão do ordinário local ou de Roma “é o que se deve eliminar. Esta é uma
escotilha de escape que simplesmente não podem tolerar”. Continua:
Como
converter um cisma de fato em um real? Como conseguir que os católicos fiéis, vistos
de fora, aparentem estar em cisma? Para cercar o inimigo, deves cortar todas as
outras vias de escape. Deves conseguir que os católicos tradicionais e os
conservadores autênticos se encontrem todos em um lugar onde se sintam mais
seguros, antes de desferir o golpe…
Creio
que têm a intenção de acabar com o Summorum Pontificum e o direito individual
dos sacerdotes de dizer a Missa e obrigar a todos os católicos tradicionais a
uma ou umas poucas fontes aprovadas, talvez a FSSP[2]
e a ICRSS[3]
ou alguma preparada comissão Ecclesia Dei, se não puderem fechar o acordo sobre
a FSSPX[4].
Archbold
chama isto de “o pote de mel, o lugar para reunir a todos os recalcitrantes sob
um mesmo teto, onde esperem o golpe de misericórdia”.
Em sua quinta
e última parte da série intitulada “A Queda do
Martelo”, Archbold descreve como vê que isto sucederá.
Ele crê que Roma “fará que regressemos
à era do indulto e nos consolidará em alguns grupos”.
Continua,
Afirmarão,
e seus irmãos aduladores nos principais meios de comunicação católicos o repetirão,
que isto não é um movimento anti-tradicional: “O Papa não eliminou uma só Missa
tradicional, só se trata de governar”.
E
quando tudo se acalme é quando o Papa desferirá o golpe. Não, não proibirá a Missa
tradicional em latim completamente; não creio. Teria demasiadas repercussões e
há uma maneira muito mais fácil de lograr seus objetivos. O Papa fará algo muito
pior que proibi-lo. Irá mudá-lo. Irá mudar o Missal de 1962.
O
Papa exercerá sua legítima autoridade para fazer um aggiornomento[5]
no Missal de 1962. Talvez substituirá o lecionário pelo atual modificado há
três anos, mudará algumas orações, permitirá a comunhão na mão ou alguma outra
mudança que comova a consciência dos católicos tradicionais. Será o Vaticano II
da Missa tradicional em latim. É o que dizem agora: “O Papa não proibiu a Missa
em latim, simplesmente utilizou sua autoridade legítima sobre a liturgia para torná-la
mais inteligível”.
Em
sua visão predita da Igreja, Archbold diz que a consequência de tal ato é
clara:
Qualquer
grupo aprovado que resista às mudanças ou se queixe demasiado receberá a Visita
apostólica e será esmagado por negar-se a se submeter ante o Pontífice. Qualquer
comunidade diocesana com indulto que resista será esmagada. E o católico que pense
poder passar à clandestinidade e simplesmente ter Missa na casa de alguém? Não.
Os sacerdotes individuais já não terão direito a celebrar a Missa. Faça-o e te
negarás a submeter à autoridade do Papa. Serás um cismático. Assim também com qualquer
bispo. Ou aceitas a bota do Vaticano II em teu pescoço ou serás um cismático.
Qualquer
tentativa de viver uma autêntica vida católica tradicional, seja como
religioso, ou simplesmente assistindo a Missa de todos os tempos, o converterá
em um cismático por defeito. Se vai à FSSPX, cismático. Se vai a uma Missa
clandestina, cismático. Se forma um grupo de fiéis sob uma regra tradicional sem
permissão de Roma, cismático. Converterão qualquer tentativa de viver uma vida
católica tradicional em um ato de desobediência.
É
uma lúgubre visão do que pode vir, mas [não obstante] não deixa de chover
durante meses nas trincheiras, os bombardeios se produzem dia e noite, e quando
parece que já perdemos a capacidade de crer em um novo horror, conjuram outro.
Sublinho
aqui que a opinião de Archbold sobre isto é só uma teoria, e é bastante dura. Assim
que pergunto aos leitores: Vocês o que pensam?
Steve Skojec
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Fonte: https://adelantelafe.com/archbold-sobre-promover-el-cisma/
* Airton Vieira é autor de 500 anos de Reforma: um
brinde!? (web) e tradutor de Sermões de São
Vicente Ferrer: o Anticristo e o Juízo Final (Martyria, 2018).
[1] O original traz “tradicionais”. Um e outro termos são o que hoje podemos considerar “um mal necessário”, pois ou se é católico ou não se é. Ponto. A necessária distinção se dá diante do contexto hodierno em que “tradicionais” ou “tradicionalistas” se referem, ao contrário do que alguns pensam, não aos mais santos ou corretos em sua práxis, mas àqueles que tentam manter-se nos trilhos da doutrina apostólica, seguindo as Escrituras, mas em harmônica ligação com a Tradição e o Magistério, o “tripé” de sustentação de todo o edifício católico nestes quase dois mil anos de existência. Isto os faz manter tranquila – ainda que sôfrega – a consciência em relação a heresias, blasfêmias e sacrilégios, oriundos em menor ou maior grau da adulteração da sã doutrina (cf. 2 Jo I, 9).
[2] Fraternidade Sacerdotal São Pedro.
[3] Instituto Cristo Rei e Sumo Sacerdote.
[4] Fraternidade Sacerdotal São Pio X.
[5] Adaptação.
Texto brilhante. Muito clara a resistência às mudanças na e da Igreja, sobretudo em relação ao papa Francisco.Não faltam argumentos para isto. A sensação que fica é a de que realmente é preocupante a maneira como o comando da Igreja tem tratado a vertente tradicional ou conservadora, ou seja, os fiéis tradicionais. Parece evidente a intenção da igreja não só rechaçá-los, como também se livrar deles.
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