O divórcio excepcional
O que acabo de
dizer é a condenação formal, radical e absoluta da união livre. A união livre,
enquanto comporta relações
heterossexuais sem matrimônio, é uma verdadeira fornicação, de que São Paulo
disse: “Sabei que nenhum fornicador
receberá em herança o reino de Cristo e de Deus (Ef: 5,5).
Mas uma outra
questão apresenta-se aqui. Admitindo-se que o matrimônio seja necessário, não
se pode, em certos casos admitir o divórcio?
Certo é que as
duas teses sendo opostas uma à outra, não podem ambas ser verdadeiras: uma é
falsa, a outra, verdadeira.
Para os
divorcistas, o matrimônio é um contrato bilateral, nascido do consentimento das
partes; e por este título, concluem eles, ele pode, como qualquer contrato
bilateral, tomar fim pelas causas que o ocasionaram.
Tal raciocínio
é legalmente exato, porém a base do raciocínio é falsa...
O matrimônio
não é um simples contrato; é mais que um contrato: é uma lei da natureza, uma
lei social e uma lei divina. O regime do matrimônio é determinado pela sua
determinação de sua finalidade.
O regime
perfeito não existe neste mundo, onde tudo é contingente e imperfeito; devemos,
pois, adotar o regime normal, estabelecido pelo autor da natureza; e este
regime normal constitui uma lei geral que rege a instituição do matrimônio.
Mas poderá esta
lei geral admitir uma exceção, por certas razões graves? Sim; se tais exceções
são compatíveis com o bem prosseguido da lei. Não, se tais exceções, não podem,
em prática, ser admitidas sem arruinar a própria lei.
Temos, pois,
diante de nós a dupla tese da
indissolubilidade e a do divórcio.
A tese da
indissolubilidade
Examinemos
primeiro a tese da indissolubilidade, para depois opor-lhe a do divórcio, para
assim, podermos comparar e concluir qual delas pode prevalecer como sendo a
tese normal, senão perfeita, que deve ser adotada.
O termo normal
das relações matrimoniais sendo os filhos, pode-se dizer que tais relações
existem antes de tudo para a espécie humana, cujo interesse geral suplanta qualquer
interesse particular.
Tudo no
matrimônio deve ser dirigido em vista de favorecer estes interesses:
nascimento, educação e conservação da prole.
Eis uma prova
da premissa certa e irrefutável. Escutem agora a premissa não menos
incontestável: Ora, em geral, a indissolubilidade, assegurando a estabilidade
da sociedade familiar, favorece a procriação sem restrição da prole, e
assegura-lhe as melhores condições para educá-la, vista a ser a obra combinada
do pai e da mãe.
A conclusão é
certa: A indissolubilidade deve ser adotada como norma normal do matrimônio.
Ao contrário,
sob o temor do divórcio, desde que este possa ser previsto como provável, os
casados evitarão sistematicamente o nascimento da prole, a qual, em caso de
ruptura, constituiria um sério embaraço.
Quando se
produzir o divórcio, haverá prejuízo grave para a prole; a educação ficará
mutilada pela ausência de um dos progenitores. É inútil insistir sobre verdades
tão simples como essenciais.
Os fins
secundários do matrimônio também exigem a indissolubilidade.
Sem ela, as
uniões se far-se-ão levianamente, em vista de poderem ser desfeitas sem
dificuldade.
Sem ela os
gozadores juntar-se-ão provisoriamente, dando-se com reserva, na perspectiva de
uma futura separação.
Entre os filhos
e os pais divorciados não pode haver sociedade, sendo os filhos condenados a
viver separados de seus pais ou viver como parasitas, nas novas famílias
fundada pelo pai e pela mãe, casados pela segunda, terceira vez.
Reflitam bem
sobre essa tese, simples, mas profunda, certa e irretorquível, e vejam depois a
tese do divórcio.
A tese divorcista
A tese
divorcista, não a tese dos boêmios que querem apenas o divórcio, para melhor
satisfazer suas inclinações carnais; mas daqueles que julgam que o divórcio tem
uma base racional, social. Raciocinam do seguinte modo: “O acordo de duas
vontades, nascido do amor é a razão de ser do laço conjugal, tanto de sua
criação, como de sua persistência. Ora, o amor não existindo mais, o tal laço
deve desaparecer”.
E por que deve
desaparecer? Porque, dizem eles, cada um tem direito à felicidade, o direito de
viver a sua vida.
Examinemos essa
tese “felicista” e “divorcista”... Para eles é a palavra final de toda
moralidade entre o homem e a mulher; é dizer que se afastam desde o princípio
da finalidade primária do matrimônio, só para querer a finalidade secundária.
Não querem o encargo, querem apenas o prazer; rejeitam os deveres para
considerar só os direitos; desprezam a lei racional, para segurar apenas a lei
animal. Tal princípio é monstruoso, e, entretanto, é o único que serve de base
ao divórcio.
Para
compreender o lado falso e até ridículo de tal princípio, basta aplica-lo aos
outros meios de felicidade que o mundo nos apresenta, como a fortuna, honra,
saúde, etc.
Se o homem tem
esse direito absoluto à felicidade pelo divórcio, ele tem o mesmo direito à
fortuna pelo roubo, às honras pelo assassínio, à saúde pela ociosidade.
Que direito
mais sagrado tem o homem que o direito à vida? Entretanto esse direito é muitas
vezes subordinado a deveres imperiosos que expõem a perder a vida: por exemplo:
os filhos tratar dos pais, o médico tratar de epidêmicos, o soldado a defender
a pátria em perigo.
E os esposos
“mal casados”, desde que o amorou ou simpatia desapareçam, teriam o direito de
separar-se? Mas então o filho, perdendo a simpatia aos pais, pode também
abandoná-los; o médico perdendo a simpatia pelo doente, pode deixa-lo morrer, o
soldado não sendo da política corrente, pode trair sua pátria?
O princípio é o
mesmo. O homem tem direito a felicidade, sim; porém tal direito é relativo, é
subordinado às imposições do dever contraído. O dever dos casados é de se
suportarem mutuamente, perdoarem as faltas recíprocas, e cuidarem dos filhos,
de educá-los, encaminhá-los na vida; e tudo isso deve ser feito mesmo se o amor
desaparecer.
O amor, de
fato, é um auxiliar, não é um princípio. O princípio específico da vida
individual e social, é a lei divina e humana e não o capricho muitas vezes cego
do amor.
O divórcio
peca, pois, pela base; parte de um princípio falso, desnatura a lei
fundamental, e como tal não tem direito a uma existência legal.
Fonte:
O anjo das trevas – Pe Júlio Maria
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